COORDENAR COM DIÁLOGO: DESAFIOS AO TRABALHO DO
COORDENADOR PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Silvano Messias dos Santos – Graduado em Pedagogia – UNEB.
E-mail:
silvano_uneb2009@yahoo.com.br
Tainara da Silva Costa – Graduada em Pedagogia– UNEB.
E-mail:
tainara_lapense@hotmail.com
Hélida da Paixão Rodrigues de Barros – Graduada em Pedagogia – UNEB.
E-mail:
helida_barros@hotmail.com
Cristina Benevides Vieira – Graduada em Pedagogia – UNEB.
E-mail: krisbjl@hotmail.com
Resumo:
O presente artigo é originário de uma pesquisa que analisou a importância/necessidade do diálogo no
trabalho do coordenador pedagógico da Educação Infantil, tendo como objeto de estudo uma creche
localizada em Bom Jesus da Lapa – BA. A metodologia de pesquisa privilegiou a abordagem
qualitativa, fazendo uso da observação e entrevistas semiestruturadas. Portanto, este trabalho se
orienta a partir das concepções de professoras e de uma coordenadora pedagógica sobre a necessidade
do diálogo no fazer pedagógico da escola infantil, norteando-se à luz da seguinte problematização:
qual a importância do diálogo no trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a da Educação Infantil?
As reflexões tecidas neste ensaio estão divididas em dois momentos: no primeiro, traçamos um
diálogo entre definições teóricas e concepções de professoras sobre o papel do coordenador
pedagógico nas instituições de Educação Infantil; no segundo, apresentamos alguns olhares sobre a
importância/necessidade do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, estabelecendo diálogos a
partir de uma releitura de Paulo Freire e das vivências de professoras da Educação Infantil.
Palavras-chave: Diálogo. Coordenação Pedagógica. Educação Infantil.
Iniciando o diálogo...
Este trabalho é resultante de uma pesquisa que buscou refletir sobre a
presença/importância/necessidade do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico na
Educação Infantil, tendo como lócus de estudo a creche Carrossel1, instituição escolar
localizada em Bom Jesus da Lapa - BA. Apesar de os estudos sobre o trabalho do
coordenador pedagógico no contexto da Educação Infantil ainda serem principiantes, há
autores que discutem a coordenação pedagógica sob outros enfoques, permitindo-nos
compreender como deve ser a organização do trabalho de coordenação pedagógica nesta
modalidade de ensino, que é cheia de especificidades e, portanto, precisa de um olhar que
enxergue e respeite essas singularidades.
Assim, a partir de uma releitura de Paulo Freire sobre a importância do diálogo em educação, visamos com esta pesquisa compreender melhor o trabalho do coordenador
pedagógico na Educação Infantil sobre e a partir do diálogo, tecendo, pois, algumas reflexões
sobre como/porque é necessário – e tão desafioso! – coordenar com o diálogo. Para tanto, foi
realizado um estudo de natureza qualitativa na Creche Carrossel, pois, apoiados em Minayo
(1999), acreditamos que essa abordagem de pesquisa, apesar de não pretender o alcance da
verdade, possibilita-nos a compreensão da lógica que permeia a prática que se dá na realidade
pesquisada, no nosso caso a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil da
instituição escolar mencionada.
Neste contexto, os nossos interlocutores de pesquisa foram algumas professoras e a
coordenadora pedagógica da Educação Infantil da creche Carrossel. Portanto, este trabalho
nasce a partir das conversas que tivemos com essas professoras, o que fez emergir o
questionamento central que orienta nossas reflexões: qual a importância do diálogo no
trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a da Educação Infantil?
Na tessitura de reflexões acerca dessa questão, este artigo está organizado em duas
seções, a saber: I) apresentamos alguns olhares sobre o papel do coordenador pedagógico na
Educação Infantil, traçando um diálogo entre definições teóricas e concepções de professoras
da escola infantil Carrossel; II) apresentamos alguns olhares sobre a importância/necessidade
do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, expondo algumas concepções de
professoras, a partir das quais, à luz da pedagogia dialógica de Paulo Freire, fazemos uma
releitura.
A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: desafios para o
coordenar do pedagógico
Ainda são embrionários e, portanto, insuficientes os estudos que focam a coordenação
pedagógica na Educação Infantil. Gostaríamos, então, de iniciar a nossa discussão com uma
indagação: qual/quais a/as função/funções do/a coordenador/a pedagógico/a em instituições
de Educação Infantil? Como possível reflexão acerca dessa questão, faz-nos oportuno as
palavras de Alves (2007), que entende a coordenação pedagógica como uma função de gestão
educacional cujo papel é mediar e articular a ação de projetos e práticas educativas realizadas
nas escolas, independentemente da modalidade de ensino.
Em sintonia com o pensamento de Alves (2007), Piletti (1998) argumenta que a
coordenação pedagógica, dentre suas atribuições, é acompanhar o professor em suas
atividades de planejamento/docência/avaliação, procurando auxiliá-lo na prevenção e solução
de possíveis problemas, bem como fornecer-lhe subsídios que permitam atualizarem-se e
aperfeiçoarem-se em relação ao exercício de sua profissão, além de promover
reuniões/discussões/debates entre escola e comunidade no sentido de melhorar cada vez mais
o processo educativo.
Nesta linha de raciocínio, a figura do coordenador pedagógico é uma peça necessária
nas instituições de Educação Infantil, visto que, como defendem Piletti (1998), Orsolon
(2000), Vieira (2002) e Almeida (2003), trata-se do profissional que pode auxiliar na gestão
escolar, na formação de professores, na elaboração de propostas pedagógicas para a escola, na
orientação a alunos, pais e docentes. A esse respeito, figuram falas de algumas professoras e
da coordenadora pedagógica da escola pesquisada sobre a concepção que tem sobre quem é e
qual a função do coordenador pedagógico no contexto da Educação Infantil:
Falar em coordenação pedagógica para a Educação Infantil não é simples. É uma modalidade diferente do Ensino Fundamental e Médio porque é cheia de particularidades.
O coordenador pedagógico para a Educação Infantil precisa estar preparado para acompanhar o professor no dia-a-dia de suas vivências em sala de aula. Precisa dar atenção aos alunos, que são carentes de carinho, atenção, cuidados. O professor não dá conta de trabalhar sozinho, precisa da ajuda do coordenador para planejar, avaliar... Enfim, é muita coisa para o professor dar conta sozinho: precisa da ajuda de alguém, e esse alguém mais indicado é o coordenador pedagógico.
O papel do coordenador pedagógico é elaborar e por em prática o PPP da escola, fazer o currículo estar em sintonia com a escola, etc. Acho um trabalho muito difícil porque é o de acompanhar, estar próximo, sabendo de tudo o que está acontecendo na escola e resolvendo os problemas da escola, dos professores, dos alunos, dos pais.
A presença da coordenadora pedagógica é recente. E é importante na escola porque dá um suporte ao professor.
A partir das observações e entrevistas feitas com algumas professoras da Educação
Infantil, ficou evidente que a coordenação pedagógica nesta modalidade de ensino ainda é
cheia de lacunas e encontra-se em processo de construção de sua identidade. Muitas
professoras ainda têm visões superficiais quanto à identidade e função do coordenador
pedagógico nas instituições de Educação Infantil, resumindo este profissional àquele de mil e
uma utilidades, o salvador da pátria, o faz/resolve tudo. Tais concepções manifestam-se nas
seguintes falas:
Uma coordenadora é importante na escola porque ela ajuda a gente nos nossos fazeres na escola, né. Recepcionar os alunos, rodar atividades, ajudar elaborar atividades, por ordem na sala, dialogar com a gente, informar os professores sobre as coisas que acontecem na escola. [...] Tem uma tarefa bem complexa.
O papel do coordenador é complexo: ele é responsável pelo desempenho do professor e sucesso ou fracasso do aluno. Ele precisa acompanhar o professor para que o trabalho ande bem.Como se observa nos depoimentos, ambas as professores entendem o trabalho do coordenador pedagógico muito complexo (embora sintetizem sua função) e lhe atribui a necessidade do coordenar com diálogo. Percebe-se, na primeira fala, a visão de coordenador pedagógico como aquele que tudo faz; já no segundo depoimento, evidencia-se a concepção de coordenador pedagógico como um salvador da pátria, a quem deve atribuir o sucesso e/ou o fracasso escolar, pois cabe a ele preparar o professor para o trabalho em sala de aula.
Neste sentido, de acordo com Vasconcellos (2002), o papel da coordenação
pedagógica, em qualquer modalidade de ensino, é ser a articuladora do projeto político
pedagógico da instituição no campo pedagógico, organizando a reflexão e a participação de
todos nos processos de ensino-aprendizagem, nunca podendo ser, o coordenador pedagógico,
visto como fiscal do professor. Assim se posiciona o autor em relação ao coordenador
pedagógico:
[...] não é dedo-duro (que entrega os professores para a direção ou mantenedora), não é pombo correio (que leva recado da direção para os professores e dos professores para a direção), não é coringa/tarefeiro/quebra galho/salva-vidas (ajudante de direção, auxiliar de secretaria, enfermeiro, assistente social, etc) não é tapa buraco (que fica “toureando” os alunos em sala de aula no caso de falta do professor), não é burocrata (que fica às voltas com relatórios e mais relatórios, gráficos, estatísticas sem sentido, mandando um monte de papéis para os professores preencherem – escola de “papel”), não é de gabinete (que está longe da prática e dos desafios efetivos dos educadores), não é diário (que tem dicas e soluções para todos os problemas, uma espécie de fonte inesgotável de técnicas, receitas), não é generalista (que entende quase nada de quase tudo). (VASCONCELLOS, 2002, p.87)
Ainda sobre o depoimento da última professora acima mencionada, não seria muita
responsabilidade do coordenador pedagógico arcar com o sucesso ou fracasso escolar? Não
seria demais responsabilizar o coordenador pedagógico pelo desempenho do professor?
Tais questionamentos nos levam a outra função do coordenador pedagógico: formar
professores. Para Vieira (2002) e Almeida (2003), o trabalho do coordenador pedagógico é
um trabalho de formação continuada em serviço. Nesta mesma linha de pensamento, Clementi
(2003) lembra-nos que as atribuições do coordenador pedagógico dentro da instituição escolar
é o de formar professores, partilhar suas ações, acompanhar o projeto político pedagógico e o
processo de ensino-aprendizagem, dialogando, refletindo e intervindo no ambiente escolar
juntamente com os demais atores da instituição.
No entanto, como evidencia a pesquisa, essa compreensão de coordenador pedagógico
ainda não é unânime entre os professores. Como se observa, algumas metáforas, em forma de
rotulações e imagens, são construídas sobre e em torno da figura do coordenador pedagógico,
o que evidencia tratar-se de um profissional com identidade ainda não definida (BLANDINO,
1996). E essa é uma das dificuldades enfrentadas pelos coordenadores pedagógicos no
desenvolvimento de seu trabalho, como aponta a coordenadora da escola pesquisada:
Acho que uma das dificuldades para o trabalho do coordenador pedagógico na escola é justamente a indefinição do seu campo de atuação. Muitos professores não têm a clareza sobre o seu papel e pensa que na escola o coordenador existe para fazer tudo. Muitos colegas acreditam que é de minha responsabilidade fazer trabalhos de secretaria, resolver problemas de ordem burocrática, burocráticos, aplicar provas, substituir professores. Enfim... nós coordenadores não temos uma identidade própria, e isso é um problema. Acho que o nosso trabalho dentro da escola melhoraria se todos compreendessem que não estamos para fiscalizar o trabalho do professor ou fazer atividades supérfluas, mas auxiliar o fazer pedagógico do professor, dando suporte, planejando junto. Acho que essa é a função de um coordenador na escola, não só na Educação Infantil, mas em todas as instâncias de ensino.
Como se observa, o coordenador pedagógico ainda enfrenta o desafio de construir seu
perfil/identidade profissional e delimitar seu espaço de atuação. Para Lima e Santos (2007), a
sua contribuição para a melhoria da qualidade da escola e das condições de exercício
profissional dos professores dependerá do sucesso alcançado nesta tarefa, como também
acredita Fonseca (2001). Como argumenta a coordenadora da escola pesquisada, definir o
campo de atuação do coordenador pedagógico implicará numa dificuldade a menos para o
trabalho desse profissional no sentido de desenvolver as intervenções significativas para o
saber-fazer escolar, saber-fazer que diz respeito à construção do trabalho pedagógico sobre e a
partir da participação e ações coletivas.
O DIÁLOGO: um possível caminho para coordenar o pedagógico
Vamos iniciar esta seção refletindo um pouco sobre o/s conceito/s da palavra
“diálogo”. Segundo Paulo Freire, o diálogo é o que torna o homem humano, o que possibilita
a sua comunicação. Na pedagogia do diálogo proposta por Freire, a educação é um ato
político, não acontece somente na escola, mas durante toda a vida, e ninguém sabe tudo e
ninguém sabe nada, mas todos sabem alguma coisa e podem aprender e ensinar mutuamente.
Neste sentido, em se tratando do saber escolarizado, a aprendizagem, de acordo com a
concepção freireana, se dá por meio da relação horizontal pautada no diálogo entre professor- aluno e não por meio de uma ‘educação bancária’, vinda de cima para baixo.
Neste sentido, a pedagogia do diálogo não se faz presente em escolas tradicionais.
Para haver pedagogia do diálogo, é preciso haver gestão democrática/participativa, direitos a
voz e vez entre professor e aluno, compreensão de que alunos e professores são ao mesmo
tempo educandos e educadores.
Mas o que dizer do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, no contexto da
Educação Infantil?
Como sabemos, a concepção da palavra diálogo deve ser engendrada a partir do
consenso de que esta exprime uma experiência tipicamente humana e que ao mesmo tempo
coloca o ser humano em uma posição vantajosa na escala dos seres vivos.
Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a ‘pronúncia’ do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo fundamento do diálogo, o amor, é, também, diálogo (FREIRE, 2005, p. 92, grifos do autor).
Vivemos a era da globalização, das tecnologias, da disseminação cada vez mais veloz
da informação. Trata-se de um mundo mutante, cheio de dúvidas/incertezas, onde a verdade
apresenta-nos sob mil e um disfarces, o que mister se faz despender esforços constantes para a
preservação do entendimento, do respeito ao diferente, do estabelecer de diálogos. Neste
contexto, podemos perceber que o diálogo nos apresenta na condição de veículo de expressão
da racionalidade, tipicamente humana, da sofisticada capacidade de se relacionar e, portanto,
se constituir pessoa.
Nesse sentido, Freire (1980 p. 83) expõe que o diálogo é o encontro no qual a reflexão
e a ação, inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso
transformar e humanizar. Para ele, o diálogo não é somente uma qualidade do modo humano
de existir e agir, mas é o que torna humano o ser humano. Por conseguinte, o diálogo é o meio
pelo qual apreendemos o mundo, nos colocamos na condição de ser que estar sempre apto a
aprender e ensinar, como ser que é capaz de se transbordar e deixar-se entender pelo outro.
Assim, dialogar não significa simplesmente colocar-se em atitude de emissão e
recepção de informação. Pelo contrário: fazer-se apto para o diálogo é predispor-se a
participar do mundo, das ideias, das opiniões do outro, isto é, é predispor-se a sair
modificado, a ampliar os seus horizontes a partir do vislumbramento de um modo novo de
enxergar as coisas e de se enxergar. Deste modo, o diálogo, na concepção freireana consiste
em uma relação horizontal e não vertical entre as pessoas implicadas, entre as pessoas em
relação (GADOTTI, 1996, p. 81).
Em se tratando do trabalho do coordenador pedagógico, como essa relação pode ser
entendida? Em primeiro lugar, ser coordenador pedagógico não significa estar a serviço do
mandar, do fiscalizar as ações docentes na escola. Aliás, autoridade/verticalidade nada tem
haver com dialogicidade. Neste sentido, hierarquia não combina com atividades pedagógicas.
No ambiente escolar, coordenador pedagógico, professores, direção, alunos, família,
faxineiras, merendeiras e porteiros precisam estabelecer relação horizontal, jamais adotar
posturas que expressem superioridade de uns sobre os outros. Portanto, a presença do diálogo
no ambiente escolar é muito importante, pois funciona como remédio para a solução de
problemas.
Então, podemos questionar: em relação ao trabalho do coordenador pedagógico na
Educação Infantil, qual a importância do diálogo? Quando questionadas a respeito, todas as
professoras entrevistas foram unânimes ao afirmar que o diálogo é um componente
fundamental na educação, sem a resolução de problemas torna-se inviável.
Sem diálogo nada feito. Sem diálogo não se consegue nada. Com diálogo já é difícil, imagina sem.
O coordenador pedagógico precisa se relacionar bem com as pessoas da escola. E não são todas as pessoas que tem essa habilidade. Há coordenadores muito fechados. Isso é próprio da pessoa, cada um tem uma personalidade, mas uma pessoa sem essa facilidade de liderança e comunicação não serve para o trabalho de coordenação.
A escola é formada de pessoas que precisam trabalhar em harmonia. E sem diálogo não tem como ter harmonia. Se a função da escola é zelar pela aprendizagem do aluno, então todos precisam traçar metas juntos, discutir os problemas da escola juntos. Cada um tem algo a dizer sobre um problema, então é dialogando e ouvindo cada um que a escola vai chegar a uma conclusão quando se deparar com algum problema. [...] Acho que o trabalho do coordenador é feito de diálogo. Ele é um elo entre os professores, professor e diretor, entre direção e aluno. E é uma das funções do coordenador as questões interpessoais da escola. Então a necessidade do dialogo no trabalho de coordenação é grande.
Complementando as falas das colegas professoras, a coordenadora pedagógica se
manifesta:
É preciso dar espaço para a participação de todos. Um coordenador que dita as regras e decide sozinho não é um coordenador. Como o próprio nome diz, coordenar é acompanhar, mediar as relações, ajudar, organizar uma coisa. E é impossível fazer tudo isso sem diálogo, sem o ouvir, sem o escutar o que o outro tem a dizer. Cada um tem que ter vez e voz. E é preciso respeitar a opinião do colega, para que juntos cheguem a um denominador comum. Sem diálogo o conflito é inevitável. Um coordenador que não saber conversar com o colega professor está na profissão errada. Aliás, uma pessoas que não sabe dialogar sofrerá em qualquer profissão, porque em qualquer profissão saber dialogar é uma requisito imprescindível.
A partir desses pressupostos, refletir a função ou a importância do diálogo no trabalho
do coordenador pedagógico da Educação Infantil significa trazer à tona o veículo precípuo de
efetivação daquela realidade, visto que o próprio processo de ensino e aprendizagem deve se
dá a partir de uma profunda dialógica, com vista a um processo realmente marcante. Assim, “ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se
na transformação constante da realidade”. (Paulo Freire 1986, p.43)
Sendo assim, o diálogo, além de viabilizar a comunicação do saber previsto no
currículo, proporciona um conhecimento de outra natureza, isto é, aquele que marca a relação
entre os atores educacionais, tendo em vista que o processo ensino e aprendizagem afeta o ser
humano em sua totalidade. Assim se expressa Gadotti (1991)
[...] os seres humanos se constroem em diálogo, pois são essencialmente comunicativos. Não há progresso humano sem diálogo. Para ele, o momento do diálogo é o momento em que os homens se encontram para transformar a realidade e progredir. (GADOTTI 1991, p. 46)
Além disso, o relativo conhecimento por parte do educador daquilo que tem marcado o
íntimo dos educandos proporciona-lhe refletir a sua ação de maneira a colocar o educando
enquanto sujeito ativo do processo, além de orientar a sua prática para um caminho de
constante otimização.
Em consonância com esta realidade, temos que reconhecer a amplitude do processo
ensino e aprendizagem, o qual se estende para além do ambiente escolar, em um movimento
de reciprocidade de valores onde o educando traz para a escola valores do seu ambiente e ao
mesmo tempo leva para este ambiente valores amadurecidos no ambiente escolar. Portanto, o
relacionamento entre o coordenador pedagógico entre os professores e estudantes é o meio
eficiente pelo qual o educador apreende o mundo do educando e vice-versa, proporcionado a
efetivação de um processo verdadeiramente integrador e valorizador dos sujeitos em sua
integralidade.
Vale salientar ainda que uma relação que prescinde do constante diálogo será sempre
uma relação superficial e carente do profundo conhecimento que o processo educativo
demanda. E tanto mais deficiente se fará um processo educativo que, mormente abstrai a
expressão dos afetos, que se perfazendo pelo caminho da simples relação funcional não
concede espaço às expressões dialógicas que fazem do processo ensino e aprendizagem uma
experiência realmente humanizadora. Consequentemente, “a educação se torna um momento
da experiência dialética total da humanização dos homens, com igual participação dialógica
de educador e educando” (SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 69).
É válido grifar que por a escola ser um dos lugares consagrados à formação do
indivíduo e à sua ‘integração em uma comunidade de iguais’, é de suma importância a
presença do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico da Educação Infantil para que o
coordenador e o professor procurem meios que contribuam para a formação do estudante
como parte integrante de um ambiente composto por diversidades, que venham a somar
valores e contribuir para o reconhecimento do prestígio de cada classe cultural e social.
Conforme Candau (2003, p. 161), a escola sempre teve dificuldade em lidar com a
pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las sente-se mais confortável com
a homogeneização e a padronização.
Mas é importante ressaltar, entretanto, que a questão do diálogo é também muito
subjetiva no ser humano. Cada pessoa se relaciona com as outras de uma forma. E a
subjetividade de cada um exerce influencia, positiva ou negativamente, nas relações que
estabelecemos na família, na igreja, no trabalho. A esse respeito, uma professora fala sobre o
perfil do coordenador pedagógico, pontuando que a subjetividade, ou seja, “o eu” interfere no
trabalho pedagógico:
O papel de coordenado não é para qualquer professor. Conheço bons professores mas que na coordenação deixam a desejar. Isso acontece porque articular escola e comunidade não é uma tarefa tão simples assim. A pessoa tem que ter espírito de liderança, capacidade de coordenar, dialogar, e coisa e tal. E não são todos que tem essas capacidades. O meu eu pode ajudar ou atrapalhar.
No que diz respeito ao diálogo intercultural, fica claro que a diversidade cultural é
visivelmente percebida na escola brasileira, porém, a mesma continua com sua aparência
homogênea, por não respeitar as diferenças social, regional, de gênero, etnia, credo, entre
outros, dos seus educandos. Isso se dá pela falta de diálogo, mesmo sendo este, segundo Paulo
Freire (1986), direito do aluno. Nesse sentido, Hoffmann (2006) afirma:
A compreensão do aluno não se dá sem o diálogo estabelecido com o próprio aluno em primeiro lugar, com seus familiares, com seus amigos e colegas, com todos os profissionais que lidam com ele nos espaços escolares. (HOFFMANN 2006, p. 25)
Deste modo, faz-se necessário o estabelecer do diálogo entre professor-aluno,
professor-professor, direção-professor-aluno, escola-comunidade, coordenação-unidade
escolar. No entanto, construir uma escola democrática não é tarefa fácil. Como enfatizam
Lima e Santos (2007),
Quem ocupa cargos de liderança – como diretor ou coordenador pedagógico – precisa despir-se do posicionamento predominantemente autocrático para possibilitar o desenvolvimento de um clima em que todos contribuam com ideias, críticas, encaminhamentos, pois a gestão e participação pedagógica pressupõem uma educação democrática, ou seja, envolve muito mais do que estabelecer o que é urgente e prioritário (é claro que isto terá que ser discutido), mas se assenta nas dimensões do ouvir, sugestionar em benefício do coletivo, revisitar posicionamentos, quando necessário, e primar pela análise e desdobramento do que é imprescindível para o processo ensino- aprendizagem discente, da formação do professor e das metas que a escola se propõe em determinada situação ou realidade escolar. (LIMA & SANTOS, 2007, p. 85)
E continuam dizendo:
Sabe-se que administrar conflitos não é algo fácil. Acredita-se que as divergências podem ser valorizadas quando há respeito e consciência de que a formação continuada se dá e só tem sentido com a contribuição do outro. Quando se perde ou se toma posicionamentos particularistas a escola sofre, os professores sofrem, a coordenação sofre e o pior de tudo o aluno torna-se vítima de tudo isto. É nesta direção que a gestão e participação numa perspectiva coletiva devem deve se orientar, pois a construção de uma consciência coletiva compromissada possibilita trabalhar as arestas de posicionamentos ostracionistas. (LIMA & SANTOS, 2007, p. 86)
Portanto, é preciso oportunizar espaços e tempos que garantam o debate sobre como
deve ser organizado o trabalho pedagógico na escola, sem perder de vista a necessidade do
diálogo e participação de todos nas decisões tomadas pela unidade escolar. Como lembram
Lima e Santos (2007), no cotidiano escolar existem oportunidades para fomentar essas
discussões, como as reuniões pedagógicas entre os professores, o conselho escolar, as
reuniões de pais e mestres, etc. – momentos nos quais o diretor, o corpo técnico- administrativo, o coordenador pedagógico, os professores, pais, estudantes e demais
segmentos da escola podem (re) pensar no coletivo os saberes e fazeres da escola.
Neste sentido, um trabalho de coordenação pedagógica que valoriza e faz uso do
diálogo no dia-a-dia de seus saberes e fazeres é aquele que não se caracteriza pela relação
mando-submissão, mas pela relação de horizontalidade, que, segundo Freire (2005), garante o
espaço da dialogicidade e, portanto, das ações coletivas. Portanto, a função do coordenador
pedagógico, seja na Educação Infantil, seja em outra modalidade, é juntamente com todos os
outros educadores, coordenar para o educar, se abrir para o aprender e ensinar junto e com,
estar aberto para não coordenar sozinho, mas se disponibilizar à aceitação e promoção do
diálogo.
FINALIZANDO O DIÁLOGO: uma pausa para reconsiderar.
Nessa pesquisa, foi possível constatar que a prática pedagógica se constrói pela
contribuição/participação de todos os atores da escola, cujo sujeito facilitador pode ser
materializado, dentre outros, na figura do coordenador pedagógico. Assim, ficou evidente
para nós que o diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, seja na Educação Infantil ou
em outra modalidade, é necessário. Mas de que forma este diálogo pode acontecer? Como
podemos perceber por meio das discussões teóricas e das concepções de professoras da
Educação Infantil da Creche Carrossel, o diálogo deve estar intrínseco em todos os saberes e
fazeres pedagógicos da escola. Portanto, no trabalho de coordenação pedagógica, o diálogo se
faz presente quando o coordenador:
Acompanha – e não fiscaliza – o trabalho do professor, seja individual, seja
coletivamente;
Organiza reuniões pedagógicas, juntamente com os demais segmentos da
escola, oportunizando/instigando-lhes vez e voz;
Participa de reuniões de pais, conselhos de classe e outros encontros,
valorizando a escuta e o olhar do coletivo;
Organiza, junto ao corpo docente, o processo de planejamento e avaliação do
trabalho pedagógico da unidade escolar;
Identifica junto com os outros professores os problemas da escola e nunca
adota as decisões sozinho, mas, com a participação de todos, toma
encaminhamentos adequados;
Organiza o seu trabalho a partir de uma proposta transparente;
Articula junto à direção e unidade escolar o processo de elaboração e
implementação do projeto político pedagógico (PPP) da escola;
Compreende que é sempre um aprendiz e que na medida em que ensina
aprende, numa relação dialógica;
Se dá conta de que precisa valorizar as ações coletivas dentro da instituição
escolar, percebendo que precisa despir-se de posicionamentos autocráticos para
possibilitar o desenvolvimento de um clima em que todos contribuam com
ideias, críticas, encaminhamentos, visto que a gestão e participação pedagógica
pressupõem uma educação democrática; dentre outros.
Percebe na educação intencionalidade política e veja a necessidade de uma
educação crítico-reflexiva, que valorize os sujeitos e faça desses participantes;
dentre outros.
À guisa de conclusão, assinalamos que no trabalho de coordenação pedagógica na
Educação Infantil há muitas lacunas à espera de novos estudos/discussões/análises, visto que
os estudos sobre essa temática ainda são embrionários. Portanto, acreditamos ser relevante
(re) pensarmos o coordenador pedagógico para a educação infantil: qual o seu papel; como
atuar; o que coordenar; como constitui a sua identidade; quais os limites e as possibilidades de
seu trabalho; enfim, são apenas algumas das muitas questões à espera de reflexões.
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professores. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação), PUCSP, 2002.