quarta-feira, 22 de abril de 2015

COORDENAR COM DIÁLOGO: DESAFIOS AO TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 

Silvano Messias dos Santos – Graduado em Pedagogia – UNEB. 
E-mail: silvano_uneb2009@yahoo.com.br 

Tainara da Silva Costa – Graduada em Pedagogia– UNEB. 
E-mail: tainara_lapense@hotmail.com 

Hélida da Paixão Rodrigues de Barros – Graduada em Pedagogia – UNEB. 
E-mail: helida_barros@hotmail.com 

Cristina Benevides Vieira – Graduada em Pedagogia – UNEB. 
E-mail: krisbjl@hotmail.com 

Resumo: 

O presente artigo é originário de uma pesquisa que analisou a importância/necessidade do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico da Educação Infantil, tendo como objeto de estudo uma creche localizada em Bom Jesus da Lapa – BA. A metodologia de pesquisa privilegiou a abordagem qualitativa, fazendo uso da observação e entrevistas semiestruturadas. Portanto, este trabalho se orienta a partir das concepções de professoras e de uma coordenadora pedagógica sobre a necessidade do diálogo no fazer pedagógico da escola infantil, norteando-se à luz da seguinte problematização: qual a importância do diálogo no trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a da Educação Infantil? As reflexões tecidas neste ensaio estão divididas em dois momentos: no primeiro, traçamos um diálogo entre definições teóricas e concepções de professoras sobre o papel do coordenador pedagógico nas instituições de Educação Infantil; no segundo, apresentamos alguns olhares sobre a importância/necessidade do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, estabelecendo diálogos a partir de uma releitura de Paulo Freire e das vivências de professoras da Educação Infantil. 

Palavras-chave: Diálogo. Coordenação Pedagógica. Educação Infantil.

Iniciando o diálogo... 

Este trabalho é resultante de uma pesquisa que buscou refletir sobre a presença/importância/necessidade do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico na Educação Infantil, tendo como lócus de estudo a creche Carrossel1, instituição escolar localizada em Bom Jesus da Lapa - BA. Apesar de os estudos sobre o trabalho do coordenador pedagógico no contexto da Educação Infantil ainda serem principiantes, há autores que discutem a coordenação pedagógica sob outros enfoques, permitindo-nos compreender como deve ser a organização do trabalho de coordenação pedagógica nesta modalidade de ensino, que é cheia de especificidades e, portanto, precisa de um olhar que enxergue e respeite essas singularidades. 

Assim, a partir de uma releitura de Paulo Freire sobre a importância do diálogo em educação, visamos com esta pesquisa compreender melhor o trabalho do coordenador pedagógico na Educação Infantil sobre e a partir do diálogo, tecendo, pois, algumas reflexões sobre como/porque é necessário – e tão desafioso! – coordenar com o diálogo. Para tanto, foi realizado um estudo de natureza qualitativa na Creche Carrossel, pois, apoiados em Minayo (1999), acreditamos que essa abordagem de pesquisa, apesar de não pretender o alcance da verdade, possibilita-nos a compreensão da lógica que permeia a prática que se dá na realidade pesquisada, no nosso caso a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil da instituição escolar mencionada. 

Neste contexto, os nossos interlocutores de pesquisa foram algumas professoras e a coordenadora pedagógica da Educação Infantil da creche Carrossel. Portanto, este trabalho nasce a partir das conversas que tivemos com essas professoras, o que fez emergir o questionamento central que orienta nossas reflexões: qual a importância do diálogo no trabalho do/a coordenador/a pedagógico/a da Educação Infantil? 

Na tessitura de reflexões acerca dessa questão, este artigo está organizado em duas seções, a saber: I) apresentamos alguns olhares sobre o papel do coordenador pedagógico na Educação Infantil, traçando um diálogo entre definições teóricas e concepções de professoras da escola infantil Carrossel; II) apresentamos alguns olhares sobre a importância/necessidade do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, expondo algumas concepções de professoras, a partir das quais, à luz da pedagogia dialógica de Paulo Freire, fazemos uma releitura. 

A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: desafios para o coordenar do pedagógico 

Ainda são embrionários e, portanto, insuficientes os estudos que focam a coordenação pedagógica na Educação Infantil. Gostaríamos, então, de iniciar a nossa discussão com uma indagação: qual/quais a/as função/funções do/a coordenador/a pedagógico/a em instituições de Educação Infantil? Como possível reflexão acerca dessa questão, faz-nos oportuno as palavras de Alves (2007), que entende a coordenação pedagógica como uma função de gestão educacional cujo papel é mediar e articular a ação de projetos e práticas educativas realizadas nas escolas, independentemente da modalidade de ensino. 

Em sintonia com o pensamento de Alves (2007), Piletti (1998) argumenta que a coordenação pedagógica, dentre suas atribuições, é acompanhar o professor em suas atividades de planejamento/docência/avaliação, procurando auxiliá-lo na prevenção e solução de possíveis problemas, bem como fornecer-lhe subsídios que permitam atualizarem-se e aperfeiçoarem-se em relação ao exercício de sua profissão, além de promover reuniões/discussões/debates entre escola e comunidade no sentido de melhorar cada vez mais o processo educativo. 

Nesta linha de raciocínio, a figura do coordenador pedagógico é uma peça necessária nas instituições de Educação Infantil, visto que, como defendem Piletti (1998), Orsolon (2000), Vieira (2002) e Almeida (2003), trata-se do profissional que pode auxiliar na gestão escolar, na formação de professores, na elaboração de propostas pedagógicas para a escola, na orientação a alunos, pais e docentes. A esse respeito, figuram falas de algumas professoras e da coordenadora pedagógica da escola pesquisada sobre a concepção que tem sobre quem é e qual a função do coordenador pedagógico no contexto da Educação Infantil: 

Falar em coordenação pedagógica para a Educação Infantil não é simples. É uma modalidade diferente do Ensino Fundamental e Médio porque é cheia de particularidades. 
O coordenador pedagógico para a Educação Infantil precisa estar preparado para acompanhar o professor no dia-a-dia de suas vivências em sala de aula. Precisa dar atenção aos alunos, que são carentes de carinho, atenção, cuidados. O professor não dá conta de trabalhar sozinho, precisa da ajuda do coordenador para planejar, avaliar... Enfim, é muita coisa para o professor dar conta sozinho: precisa da ajuda de alguém, e esse alguém mais indicado é o coordenador pedagógico. 
O papel do coordenador pedagógico é elaborar e por em prática o PPP da escola, fazer o currículo estar em sintonia com a escola, etc. Acho um trabalho muito difícil porque é o de acompanhar, estar próximo, sabendo de tudo o que está acontecendo na escola e resolvendo os problemas da escola, dos professores, dos alunos, dos pais. 
A presença da coordenadora pedagógica é recente. E é importante na escola porque dá um suporte ao professor. 

A partir das observações e entrevistas feitas com algumas professoras da Educação Infantil, ficou evidente que a coordenação pedagógica nesta modalidade de ensino ainda é cheia de lacunas e encontra-se em processo de construção de sua identidade. Muitas professoras ainda têm visões superficiais quanto à identidade e função do coordenador pedagógico nas instituições de Educação Infantil, resumindo este profissional àquele de mil e uma utilidades, o salvador da pátria, o faz/resolve tudo. Tais concepções manifestam-se nas seguintes falas: 

Uma coordenadora é importante na escola porque ela ajuda a gente nos nossos fazeres na escola, né. Recepcionar os alunos, rodar atividades, ajudar elaborar atividades, por ordem na sala, dialogar com a gente, informar os professores sobre as coisas que acontecem na escola. [...] Tem uma tarefa bem complexa. 
O papel do coordenador é complexo: ele é responsável pelo desempenho do professor e sucesso ou fracasso do aluno. Ele precisa acompanhar o professor para que o trabalho ande bem. 
 Como se observa nos depoimentos, ambas as professores entendem o trabalho do coordenador pedagógico muito complexo (embora sintetizem sua função) e lhe atribui a necessidade do coordenar com diálogo. Percebe-se, na primeira fala, a visão de coordenador pedagógico como aquele que tudo faz; já no segundo depoimento, evidencia-se a concepção de coordenador pedagógico como um salvador da pátria, a quem deve atribuir o sucesso e/ou o fracasso escolar, pois cabe a ele preparar o professor para o trabalho em sala de aula. 

Neste sentido, de acordo com Vasconcellos (2002), o papel da coordenação pedagógica, em qualquer modalidade de ensino, é ser a articuladora do projeto político pedagógico da instituição no campo pedagógico, organizando a reflexão e a participação de todos nos processos de ensino-aprendizagem, nunca podendo ser, o coordenador pedagógico, visto como fiscal do professor. Assim se posiciona o autor em relação ao coordenador pedagógico: 

[...] não é dedo-duro (que entrega os professores para a direção ou mantenedora), não é pombo correio (que leva recado da direção para os professores e dos professores para a direção), não é coringa/tarefeiro/quebra galho/salva-vidas (ajudante de direção, auxiliar de secretaria, enfermeiro, assistente social, etc) não é tapa buraco (que fica “toureando” os alunos em sala de aula no caso de falta do professor), não é burocrata (que fica às voltas com relatórios e mais relatórios, gráficos, estatísticas sem sentido, mandando um monte de papéis para os professores preencherem – escola de “papel”), não é de gabinete (que está longe da prática e dos desafios efetivos dos educadores), não é diário (que tem dicas e soluções para todos os problemas, uma espécie de fonte inesgotável de técnicas, receitas), não é generalista (que entende quase nada de quase tudo). (VASCONCELLOS, 2002, p.87) 

Ainda sobre o depoimento da última professora acima mencionada, não seria muita responsabilidade do coordenador pedagógico arcar com o sucesso ou fracasso escolar? Não seria demais responsabilizar o coordenador pedagógico pelo desempenho do professor? 

Tais questionamentos nos levam a outra função do coordenador pedagógico: formar professores. Para Vieira (2002) e Almeida (2003), o trabalho do coordenador pedagógico é um trabalho de formação continuada em serviço. Nesta mesma linha de pensamento, Clementi (2003) lembra-nos que as atribuições do coordenador pedagógico dentro da instituição escolar é o de formar professores, partilhar suas ações, acompanhar o projeto político pedagógico e o processo de ensino-aprendizagem, dialogando, refletindo e intervindo no ambiente escolar juntamente com os demais atores da instituição. 

No entanto, como evidencia a pesquisa, essa compreensão de coordenador pedagógico ainda não é unânime entre os professores. Como se observa, algumas metáforas, em forma de rotulações e imagens, são construídas sobre e em torno da figura do coordenador pedagógico, o que evidencia tratar-se de um profissional com identidade ainda não definida (BLANDINO, 1996). E essa é uma das dificuldades enfrentadas pelos coordenadores pedagógicos no desenvolvimento de seu trabalho, como aponta a coordenadora da escola pesquisada: 

Acho que uma das dificuldades para o trabalho do coordenador pedagógico na escola é justamente a indefinição do seu campo de atuação. Muitos professores não têm a clareza sobre o seu papel e pensa que na escola o coordenador existe para fazer tudo. Muitos colegas acreditam que é de minha responsabilidade fazer trabalhos de secretaria, resolver problemas de ordem burocrática, burocráticos, aplicar provas, substituir professores. Enfim... nós coordenadores não temos uma identidade própria, e isso é um problema. Acho que o nosso trabalho dentro da escola melhoraria se todos compreendessem que não estamos para fiscalizar o trabalho do professor ou fazer atividades supérfluas, mas auxiliar o fazer pedagógico do professor, dando suporte, planejando junto. Acho que essa é a função de um coordenador na escola, não só na Educação Infantil, mas em todas as instâncias de ensino. 

Como se observa, o coordenador pedagógico ainda enfrenta o desafio de construir seu perfil/identidade profissional e delimitar seu espaço de atuação. Para Lima e Santos (2007), a sua contribuição para a melhoria da qualidade da escola e das condições de exercício profissional dos professores dependerá do sucesso alcançado nesta tarefa, como também acredita Fonseca (2001). Como argumenta a coordenadora da escola pesquisada, definir o campo de atuação do coordenador pedagógico implicará numa dificuldade a menos para o trabalho desse profissional no sentido de desenvolver as intervenções significativas para o saber-fazer escolar, saber-fazer que diz respeito à construção do trabalho pedagógico sobre e a partir da participação e ações coletivas. 

O DIÁLOGO: um possível caminho para coordenar o pedagógico 

Vamos iniciar esta seção refletindo um pouco sobre o/s conceito/s da palavra “diálogo”. Segundo Paulo Freire, o diálogo é o que torna o homem humano, o que possibilita a sua comunicação. Na pedagogia do diálogo proposta por Freire, a educação é um ato político, não acontece somente na escola, mas durante toda a vida, e ninguém sabe tudo e ninguém sabe nada, mas todos sabem alguma coisa e podem aprender e ensinar mutuamente. Neste sentido, em se tratando do saber escolarizado, a aprendizagem, de acordo com a concepção freireana, se dá por meio da relação horizontal pautada no diálogo entre professor- aluno e não por meio de uma ‘educação bancária’, vinda de cima para baixo.

Neste sentido, a pedagogia do diálogo não se faz presente em escolas tradicionais. Para haver pedagogia do diálogo, é preciso haver gestão democrática/participativa, direitos a voz e vez entre professor e aluno, compreensão de que alunos e professores são ao mesmo tempo educandos e educadores. 

Mas o que dizer do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, no contexto da Educação Infantil? 

Como sabemos, a concepção da palavra diálogo deve ser engendrada a partir do consenso de que esta exprime uma experiência tipicamente humana e que ao mesmo tempo coloca o ser humano em uma posição vantajosa na escala dos seres vivos. 

Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a ‘pronúncia’ do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo fundamento do diálogo, o amor, é, também, diálogo (FREIRE, 2005, p. 92, grifos do autor). 

Vivemos a era da globalização, das tecnologias, da disseminação cada vez mais veloz da informação. Trata-se de um mundo mutante, cheio de dúvidas/incertezas, onde a verdade apresenta-nos sob mil e um disfarces, o que mister se faz despender esforços constantes para a preservação do entendimento, do respeito ao diferente, do estabelecer de diálogos. Neste contexto, podemos perceber que o diálogo nos apresenta na condição de veículo de expressão da racionalidade, tipicamente humana, da sofisticada capacidade de se relacionar e, portanto, se constituir pessoa. 

Nesse sentido, Freire (1980 p. 83) expõe que o diálogo é o encontro no qual a reflexão e a ação, inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e humanizar. Para ele, o diálogo não é somente uma qualidade do modo humano de existir e agir, mas é o que torna humano o ser humano. Por conseguinte, o diálogo é o meio pelo qual apreendemos o mundo, nos colocamos na condição de ser que estar sempre apto a aprender e ensinar, como ser que é capaz de se transbordar e deixar-se entender pelo outro. 

Assim, dialogar não significa simplesmente colocar-se em atitude de emissão e recepção de informação. Pelo contrário: fazer-se apto para o diálogo é predispor-se a participar do mundo, das ideias, das opiniões do outro, isto é, é predispor-se a sair modificado, a ampliar os seus horizontes a partir do vislumbramento de um modo novo de enxergar as coisas e de se enxergar. Deste modo, o diálogo, na concepção freireana consiste em uma relação horizontal e não vertical entre as pessoas implicadas, entre as pessoas em relação (GADOTTI, 1996, p. 81). 

Em se tratando do trabalho do coordenador pedagógico, como essa relação pode ser entendida? Em primeiro lugar, ser coordenador pedagógico não significa estar a serviço do mandar, do fiscalizar as ações docentes na escola. Aliás, autoridade/verticalidade nada tem haver com dialogicidade. Neste sentido, hierarquia não combina com atividades pedagógicas. No ambiente escolar, coordenador pedagógico, professores, direção, alunos, família, faxineiras, merendeiras e porteiros precisam estabelecer relação horizontal, jamais adotar posturas que expressem superioridade de uns sobre os outros. Portanto, a presença do diálogo no ambiente escolar é muito importante, pois funciona como remédio para a solução de problemas. 

Então, podemos questionar: em relação ao trabalho do coordenador pedagógico na Educação Infantil, qual a importância do diálogo? Quando questionadas a respeito, todas as professoras entrevistas foram unânimes ao afirmar que o diálogo é um componente fundamental na educação, sem a resolução de problemas torna-se inviável. 

Sem diálogo nada feito. Sem diálogo não se consegue nada. Com diálogo já é difícil, imagina sem. 
O coordenador pedagógico precisa se relacionar bem com as pessoas da escola. E não são todas as pessoas que tem essa habilidade. Há coordenadores muito fechados. Isso é próprio da pessoa, cada um tem uma personalidade, mas uma pessoa sem essa facilidade de liderança e comunicação não serve para o trabalho de coordenação. 
A escola é formada de pessoas que precisam trabalhar em harmonia. E sem diálogo não tem como ter harmonia. Se a função da escola é zelar pela aprendizagem do aluno, então todos precisam traçar metas juntos, discutir os problemas da escola juntos. Cada um tem algo a dizer sobre um problema, então é dialogando e ouvindo cada um que a escola vai chegar a uma conclusão quando se deparar com algum problema. [...] Acho que o trabalho do coordenador é feito de diálogo. Ele é um elo entre os professores, professor e diretor, entre direção e aluno. E é uma das funções do coordenador as questões interpessoais da escola. Então a necessidade do dialogo no trabalho de coordenação é grande. 

Complementando as falas das colegas professoras, a coordenadora pedagógica se manifesta: 

É preciso dar espaço para a participação de todos. Um coordenador que dita as regras e decide sozinho não é um coordenador. Como o próprio nome diz, coordenar é acompanhar, mediar as relações, ajudar, organizar uma coisa. E é impossível fazer tudo isso sem diálogo, sem o ouvir, sem o escutar o que o outro tem a dizer. Cada um tem que ter vez e voz. E é preciso respeitar a opinião do colega, para que juntos cheguem a um denominador comum. Sem diálogo o conflito é inevitável. Um coordenador que não saber conversar com o colega professor está na profissão errada. Aliás, uma pessoas que não sabe dialogar sofrerá em qualquer profissão, porque em qualquer profissão saber dialogar é uma requisito imprescindível. 

A partir desses pressupostos, refletir a função ou a importância do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico da Educação Infantil significa trazer à tona o veículo precípuo de efetivação daquela realidade, visto que o próprio processo de ensino e aprendizagem deve se dá a partir de uma profunda dialógica, com vista a um processo realmente marcante. Assim, “ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade”. (Paulo Freire 1986, p.43) 

Sendo assim, o diálogo, além de viabilizar a comunicação do saber previsto no currículo, proporciona um conhecimento de outra natureza, isto é, aquele que marca a relação entre os atores educacionais, tendo em vista que o processo ensino e aprendizagem afeta o ser humano em sua totalidade. Assim se expressa Gadotti (1991) 

[...] os seres humanos se constroem em diálogo, pois são essencialmente comunicativos. Não há progresso humano sem diálogo. Para ele, o momento do diálogo é o momento em que os homens se encontram para transformar a realidade e progredir. (GADOTTI 1991, p. 46) 

Além disso, o relativo conhecimento por parte do educador daquilo que tem marcado o íntimo dos educandos proporciona-lhe refletir a sua ação de maneira a colocar o educando enquanto sujeito ativo do processo, além de orientar a sua prática para um caminho de constante otimização. 

Em consonância com esta realidade, temos que reconhecer a amplitude do processo ensino e aprendizagem, o qual se estende para além do ambiente escolar, em um movimento de reciprocidade de valores onde o educando traz para a escola valores do seu ambiente e ao mesmo tempo leva para este ambiente valores amadurecidos no ambiente escolar. Portanto, o relacionamento entre o coordenador pedagógico entre os professores e estudantes é o meio eficiente pelo qual o educador apreende o mundo do educando e vice-versa, proporcionado a efetivação de um processo verdadeiramente integrador e valorizador dos sujeitos em sua integralidade. 

Vale salientar ainda que uma relação que prescinde do constante diálogo será sempre uma relação superficial e carente do profundo conhecimento que o processo educativo demanda. E tanto mais deficiente se fará um processo educativo que, mormente abstrai a expressão dos afetos, que se perfazendo pelo caminho da simples relação funcional não concede espaço às expressões dialógicas que fazem do processo ensino e aprendizagem uma experiência realmente humanizadora. Consequentemente, “a educação se torna um momento da experiência dialética total da humanização dos homens, com igual participação dialógica de educador e educando” (SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 69). 

É válido grifar que por a escola ser um dos lugares consagrados à formação do indivíduo e à sua ‘integração em uma comunidade de iguais’, é de suma importância a presença do diálogo no trabalho do coordenador pedagógico da Educação Infantil para que o coordenador e o professor procurem meios que contribuam para a formação do estudante como parte integrante de um ambiente composto por diversidades, que venham a somar valores e contribuir para o reconhecimento do prestígio de cada classe cultural e social. Conforme Candau (2003, p. 161), a escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. 

Mas é importante ressaltar, entretanto, que a questão do diálogo é também muito subjetiva no ser humano. Cada pessoa se relaciona com as outras de uma forma. E a subjetividade de cada um exerce influencia, positiva ou negativamente, nas relações que estabelecemos na família, na igreja, no trabalho. A esse respeito, uma professora fala sobre o perfil do coordenador pedagógico, pontuando que a subjetividade, ou seja, “o eu” interfere no trabalho pedagógico: 

O papel de coordenado não é para qualquer professor. Conheço bons professores mas que na coordenação deixam a desejar. Isso acontece porque articular escola e comunidade não é uma tarefa tão simples assim. A pessoa tem que ter espírito de liderança, capacidade de coordenar, dialogar, e coisa e tal. E não são todos que tem essas capacidades. O meu eu pode ajudar ou atrapalhar. 

No que diz respeito ao diálogo intercultural, fica claro que a diversidade cultural é visivelmente percebida na escola brasileira, porém, a mesma continua com sua aparência homogênea, por não respeitar as diferenças social, regional, de gênero, etnia, credo, entre outros, dos seus educandos. Isso se dá pela falta de diálogo, mesmo sendo este, segundo Paulo Freire (1986), direito do aluno. Nesse sentido, Hoffmann (2006) afirma: 

A compreensão do aluno não se dá sem o diálogo estabelecido com o próprio aluno em primeiro lugar, com seus familiares, com seus amigos e colegas, com todos os profissionais que lidam com ele nos espaços escolares. (HOFFMANN 2006, p. 25) 

Deste modo, faz-se necessário o estabelecer do diálogo entre professor-aluno, professor-professor, direção-professor-aluno, escola-comunidade, coordenação-unidade escolar. No entanto, construir uma escola democrática não é tarefa fácil. Como enfatizam Lima e Santos (2007), 

Quem ocupa cargos de liderança – como diretor ou coordenador pedagógico – precisa despir-se do posicionamento predominantemente autocrático para possibilitar o desenvolvimento de um clima em que todos contribuam com ideias, críticas, encaminhamentos, pois a gestão e participação pedagógica pressupõem uma educação democrática, ou seja, envolve muito mais do que estabelecer o que é urgente e prioritário (é claro que isto terá que ser discutido), mas se assenta nas dimensões do ouvir, sugestionar em benefício do coletivo, revisitar posicionamentos, quando necessário, e primar pela análise e desdobramento do que é imprescindível para o processo ensino- aprendizagem discente, da formação do professor e das metas que a escola se propõe em determinada situação ou realidade escolar. (LIMA & SANTOS, 2007, p. 85) 

E continuam dizendo: 

Sabe-se que administrar conflitos não é algo fácil. Acredita-se que as divergências podem ser valorizadas quando há respeito e consciência de que a formação continuada se dá e só tem sentido com a contribuição do outro. Quando se perde ou se toma posicionamentos particularistas a escola sofre, os professores sofrem, a coordenação sofre e o pior de tudo o aluno torna-se vítima de tudo isto. É nesta direção que a gestão e participação numa perspectiva coletiva devem deve se orientar, pois a construção de uma consciência coletiva compromissada possibilita trabalhar as arestas de posicionamentos ostracionistas. (LIMA & SANTOS, 2007, p. 86) 

Portanto, é preciso oportunizar espaços e tempos que garantam o debate sobre como deve ser organizado o trabalho pedagógico na escola, sem perder de vista a necessidade do diálogo e participação de todos nas decisões tomadas pela unidade escolar. Como lembram Lima e Santos (2007), no cotidiano escolar existem oportunidades para fomentar essas discussões, como as reuniões pedagógicas entre os professores, o conselho escolar, as reuniões de pais e mestres, etc. – momentos nos quais o diretor, o corpo técnico- administrativo, o coordenador pedagógico, os professores, pais, estudantes e demais segmentos da escola podem (re) pensar no coletivo os saberes e fazeres da escola. 

Neste sentido, um trabalho de coordenação pedagógica que valoriza e faz uso do diálogo no dia-a-dia de seus saberes e fazeres é aquele que não se caracteriza pela relação mando-submissão, mas pela relação de horizontalidade, que, segundo Freire (2005), garante o espaço da dialogicidade e, portanto, das ações coletivas. Portanto, a função do coordenador pedagógico, seja na Educação Infantil, seja em outra modalidade, é juntamente com todos os outros educadores, coordenar para o educar, se abrir para o aprender e ensinar junto e com, estar aberto para não coordenar sozinho, mas se disponibilizar à aceitação e promoção do diálogo. 

FINALIZANDO O DIÁLOGO: uma pausa para reconsiderar. 

Nessa pesquisa, foi possível constatar que a prática pedagógica se constrói pela contribuição/participação de todos os atores da escola, cujo sujeito facilitador pode ser materializado, dentre outros, na figura do coordenador pedagógico. Assim, ficou evidente para nós que o diálogo no trabalho do coordenador pedagógico, seja na Educação Infantil ou em outra modalidade, é necessário. Mas de que forma este diálogo pode acontecer? Como podemos perceber por meio das discussões teóricas e das concepções de professoras da Educação Infantil da Creche Carrossel, o diálogo deve estar intrínseco em todos os saberes e fazeres pedagógicos da escola. Portanto, no trabalho de coordenação pedagógica, o diálogo se faz presente quando o coordenador: 

 Acompanha – e não fiscaliza – o trabalho do professor, seja individual, seja coletivamente; 
 Organiza reuniões pedagógicas, juntamente com os demais segmentos da escola, oportunizando/instigando-lhes vez e voz; 
 Participa de reuniões de pais, conselhos de classe e outros encontros, valorizando a escuta e o olhar do coletivo; 
 Organiza, junto ao corpo docente, o processo de planejamento e avaliação do trabalho pedagógico da unidade escolar; 
 Identifica junto com os outros professores os problemas da escola e nunca adota as decisões sozinho, mas, com a participação de todos, toma encaminhamentos adequados; 
 Organiza o seu trabalho a partir de uma proposta transparente; 
 Articula junto à direção e unidade escolar o processo de elaboração e implementação do projeto político pedagógico (PPP) da escola; 
 Compreende que é sempre um aprendiz e que na medida em que ensina aprende, numa relação dialógica; 
 Se dá conta de que precisa valorizar as ações coletivas dentro da instituição escolar, percebendo que precisa despir-se de posicionamentos autocráticos para possibilitar o desenvolvimento de um clima em que todos contribuam com ideias, críticas, encaminhamentos, visto que a gestão e participação pedagógica pressupõem uma educação democrática; dentre outros. 
 Percebe na educação intencionalidade política e veja a necessidade de uma educação crítico-reflexiva, que valorize os sujeitos e faça desses participantes; dentre outros. 

À guisa de conclusão, assinalamos que no trabalho de coordenação pedagógica na Educação Infantil há muitas lacunas à espera de novos estudos/discussões/análises, visto que os estudos sobre essa temática ainda são embrionários. Portanto, acreditamos ser relevante (re) pensarmos o coordenador pedagógico para a educação infantil: qual o seu papel; como atuar; o que coordenar; como constitui a sua identidade; quais os limites e as possibilidades de seu trabalho; enfim, são apenas algumas das muitas questões à espera de reflexões. 

REFERÊNCIAS: 

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BLANDINO, F. M. L. A construção do coordenador pedagógico rumo a um projeto de escola: o ideal, o legal e o real. 1996. 145f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. 

CANDAU, Maria. V. MOREIRA, Antônio. F. B. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação: Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação. Rio de Janeiro: mai/jun/jul/ago, n.23, 2003. p. 156-168.

CLEMENTI, Nilba. A voz dos outros e a nossa voz. In:______. ALMEIDA, Laurinda R.; PLACCO, Vera Mª N. de S. O coordenador pedagógico e o espaço de mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 

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FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática de libertação – uma introdução ao Pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980. 

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 8 a . ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 

FREIRE Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8a . ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. 

HOFFMANN, J. O jogo do contrário em avaliação. 2 ed. Porto Alegre: Mediação, 2006. 

GADOTTI, M. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1991. 

GADOTTI, M. (org). Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire; Brasília, DF: UNESCO, 1996. 

LIMA, Paulo Gomes; SANTOS, Sandra Mendes dos. O coordenador pedagógico na educação básica: desafios e perspectivas. Educere et Educare: Revista de Educação. Vol. 2, nº 4 jul./dez. 2007. p. 77-90. 

MINAYO, M. C. de S. (org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21 Ed., Petrópolis/RJ: Vozes, 1999. 

ORSOLON, Luzia Angelina Marino. O coordenador/formador como um dos agentes de transformação da/na escola. São Paulo, PUC. Dissertação de mestrado, 2000. 

PILETTI, N. Estrutura e funcionamento do ensino fundamental. São Paulo: Ática, 1998. 

SCHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983. 

VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do Trabalho Pedagógico. São Paulo: Libertad, 2002. 

VIEIRA, Marili. Mudança e sentimento: o coordenador pedagógico e os sentimentos dos professores. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação), PUCSP, 2002.
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM RELATOS DE ADULTOS ANALFABETOS: “VIXE, QUEM É A GENTE SEM LEITURA”?

                 Silvano Messias dos Santos[1]
          

RESUMO:

Teoricamente embasado em autores como Magda Soares (2006), Mortatti (2004), Alceu Ferraro (2009), Galvão e Di Pierro (2010), Paulo Freire (2002), Roberto Lopes (2007), Bauman (2005), Hall (2001), Ciampa (1987), Vera Masagão (2001), Oliveira (1992), Ângela B. Kleiman (1995), Moacir Gadotti (1995), dentre outros, o artigo apresenta o resultado de uma pesquisa de inspiração qualitativa realizada com adultos e idosos analfabetos e/ou pouco escolarizados da comunidade rural de Chapada Grande, situada no município de Bom Jesus da Lapa – BA. Objetiva-se, aqui, analisar aspectos referentes à construção da identidade desses sujeitos, baseando-se no seguinte questionamento: como as ditas pessoas analfabetas e/ou pouco escolarizadas se vêem, lidam e em que medida incorporam as representações e discursos negativos (re) produzidos e disseminados, cotidianamente, em nossa sociedade sobre e em torno delas? Dessa forma, o presente trabalho discute, a partir das experiências de vida relatadas pelos próprios sujeitos da pesquisa, questões relacionadas à construção das relações sociais e das identidades desses homens e dessas mulheres analfabetos/analfabetas mediante a presença da tecnologia escrita.
           
PALAVRAS-CHAVE: Adultos analfabetos; construção da identidade; sociedade grafocêntrica.

1. Considerações iniciais

O presente trabalho tem por finalidade analisar o processo de construção da identidade de pessoas analfabetas a partir de suas próprias histórias de vida, tendo como objeto de estudo adultos e idosos analfabetos e/ou pouco escolarizados moradores da comunidade rural de Chapada Grande, localizada no município de Bom Jesus da Lapa – BA. A única escola do povoado, cujo público a que atende vincula-se ao ensino fundamental e médio, não trabalha com a modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) e apenas subsidia um projeto ligado ao TOPA (Todos Pela Educação), o qual acolhe jovens e adultos analfabetos e/ou pouco escolarizados do referido povoado ou comunidades circunvizinhas, pertencentes à classe sócio-econômica baixa e que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Este trabalho surgiu a partir das discussões desenvolvidas no Grupo de Estudos sobre Letramento e Ensino da Língua Portuguesa realizado entre setembro e dezembro de 2010 na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XVII – Bom Jesus da Lapa, destinado a professores e estudantes do Curso de Pedagogia com Habilitação em Docência e Gestão de Processos Educativos da referida instituição.
Então, no intuito de analisar como as pessoas que não sabem ler e escrever se vêem, lidam e em que medida incorporam/reproduzem o que é dito em nossa sociedade sobre elas, este trabalho, intitulado A construção da identidade em relatos de adultos analfabetos: “Vixe, quem é a gente sem leitura”?, nasce de uma pesquisa de campo realizada entre os dias 05 e 15 de janeiro de 2011. Assim, a pesquisa se deu através de entrevistas feitas com adultos e idosos analfabetos e/ou pouco escolarizados pertencentes à comunidade anteriormente citada, tendo como foco refletir sobre questões relacionadas à construção da identidade desses sujeitos a partir das experiências de vida relatadas pelos próprios.
Para isso, a metodologia utilizada na pesquisa foi de cunho majoritariamente qualitativa, por esta se configurar como a mais indicada para esse tipo de trabalho, porque segundo Ludke (1986, p.13), “envolve a obtenção de dados descritivos, no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”.
            Inicialmente, apresentarei algumas idéias sobre o processo de exclusão/inclusão vividos pelas ditas pessoas analfabetas nos mais variados setores da chamada sociedade grafocêntrica, enfatizando quem são, de onde são e qual o perfil desses sujeitos, para num segundo momento tratar da seguinte questão: como se configura a construção da identidade  no universo dos adultos e idosos analfabetos e/ou pouco escolarizados da comunidade rural de Chapada Grande? Desse modo, abordarei, na segunda seção, aspectos referentes à construção da identidade de adultos analfabetos a partir das experiências de vida relatadas pelos próprios interlocutores da pesquisa, na tentativa de saber como esses sujeitos se vêem e lidam com as representações, visões e discursos negativos disseminados, cotidianamente, sobre deles e em que medida incorporam/reproduzem tais visões/representações presentes na sociedade da informação e do conhecimento do século XXI, visões estas muitas vezes marcadas por pré-julgamentos, estigmas e preconceitos.

2. O adulto não escolarizado na sociedade letrada: tecendo considerações...

Em um primeiro momento, convém trazer para o debate o entendimento que se tem sobre o conceito de “analfabeto”. Afinal, o que significa “ser analfabeto”? Que idéias e/ou expressões vem à nossa mente quando escutamos ou lemos a palavra “analfabeto”?
De acordo com o atual Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o termo “analfabeto” recebe as seguintes definições: que(m) não sabe ler nem escrever; que(m) desconhece ou conhece muito mal assunto ou matéria. Complementando tais acepções, o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio B. H. Ferreira, compreende-se por “analfabetismo” “o estado ou condição de analfabeto” e “analfabeto” “é o que não sabe ler e escrever”, ou seja, é o que vive no estado ou condição de quem não sabe ler e escrever.
Com base nas definições concebidas pelos dicionários ao termo “analfabeto”, Magda Soares (2006) manifesta:

Analfabeto é aquele que é privado do alfabeto, a que falta o alfabeto, ou seja, aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e escrever. Ao pé da letra, significa aquele que não sabe nem o alfa, nem o betaalfa e beta são as primeiras letras do alfabeto grego; em outras palavras: aquele que não sabe o bê-a-bá. (MAGDA SOARES, 2006, p. 30)

Entretanto, faz-se necessário lembrar que tais conceitos hoje difundidos em nossa sociedade não são exatamente os mesmos de tempos atrás, pois, como sabemos, as palavras e expressões, inevitavelmente, sofrem alterações ao longo de seu percurso histórico, em função de os fatores sociais, políticos e culturais também não serem estáticos e influenciarem o pensamento ideológico de cada época, interferindo, assim, na visão de mundo que se tem e na figura de homem que se pretende formar.
Deste modo, se formos analisar a evolução dos significados atribuídos à palavra “analfabeto” nos dois dicionários gerais citados, com certeza encontraremos expressões que permaneceram relativamente estáveis, bem como acepções ou trechos suprimidos e/ou modificados. Tomamos, por exemplo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa de 1710, que, segundo Mortatti (2004), atribui ao termo “analfabeto” as seguintes definições: que ou aquele que desconhece o alfabeto, que ou aquele que não sabe ler nem escrever; que ou aquele que não tem instrução primária; que ou aquele que é muito ignorante, bronco, de raciocínio difícil; que ou aquele que desconhece ou conhece muito mal determinado assunto.
 E aí, indagamos: ao analisar os conceitos dados pelos próprios dicionários ao termo “analfabeto”, que relação poderíamos estabelecer com as visões e discursos carregados de carga ideológica negativa reproduzidos e disseminados, histórica e cotidianamente, em nossa sociedade em torno daqueles que não sabem ler e escrever?
Para se compreender tais questões, talvez fazer uma retrospectiva histórica sobre o analfabetismo no Brasil – e no mundo – possa ajusdar-nos nessa empreitada.  
Em síntese, podemos afirmar que o analfabetismo sempre existiu, ou seja, é tão antigo quanto a própria história da humanidade. Cabe ressaltar, entretanto, que ser analfabeto hoje não é o mesmo que ser analfabeto em outros tempos. Como assinala Mortatti (2004), no Brasil, desde o período colonial, existia um grande número de pessoas que não sabiam ler e escrever nem tinham instrução elementar, ou de primeiras letras. Só que essa situação emergiu como um problema de ordem eminentemente política no final do período imperial, com a proibição do voto dos analfabetos. Com as taxas de analfabetismo reveladas pelos censos, a partir de 1872, data em que foi realizado o primeiro censo no Brasil, uma nova visão de analfabeto e analfabetismo passou-se a circular em nosso país.
Se voltarmos um pouco na história, perceberemos como se configurou esse fato. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, a população que aqui vivia era analfabeta. Os jesuítas, então, se encarregaram (assim como fez mais tarde outros povos invasores) de educar – e, sobretudo, catequizar –, os índios e os negros, focalizando suas ações educativas não nos adultos, mas nos meninos. Depois, por volta da primeira metade do século XIX, sabe-se que a maior parte da população brasileira não morava nas cidades, mas no campo, e era analfabeta.
Neste momento, porém, pode-se dizer que as formas de comunicação e modos de pensar centrados na escrita eram menos importantes do que aqueles baseados na oralidade. É tanto que, na época, a circulação de livros era extremamente rara em nosso país. Ou seja: saber ler e escrever nesse período não era tão importante quanto hoje, pois a escrita quase não era utilizada pelas pessoas, mas, sim, a oralidade era mais presente no cotidiano destas: as rezas, os anúncios, as notícias, as decisões e a transmissão da tradição, por exemplo, se dava, principalmente, por meio das conversas, da narração de histórias, dos recados orais.
O analfabetismo, assim, estava presente em todos os grupos e camadas sociais, embora de maneira diferente: entre homens e mulheres escravos e libertos, entre proprietários de terra, entre homens e mulheres brancos, etc. Desse modo, o analfabetismo, ao contrário de hoje, não estava, ainda, associado diretamente à pobreza e exclusão social. Ou seja: ser analfabeto não era, necessariamente, ser “ignorante”, “pobre”, “rude”, “incivilizado”. O discurso que passa a associar o analfabeto ao ser “cego-surdo”, “incapaz”, “alienado” e “sem classe”, por exemplo, só aparece a partir do momento em que os sensos realizados no final do século XVIII e início do século XX mostraram que menos de 20% da população brasileira sabia ler e escrever – o que causou um sentimento de “vergonha” nos ditos intelectuais brasileiros diante dos países considerados “adiantados”. Diante desse quadro, intensas mobilizações, projetos e campanhas marcaram o século XX em torno da alfabetização de adultos, uma vez que o analfabetismo passava, assim, a ser visto como “a vergonha do país”, como “uma praga”, “uma peste”, “uma chaga mortal”, “uma erva - daninha” que precisava ser extinta.   
É importante ressaltar, no entanto, que a palavra “analfabeto” surgiu somente no século XVIII. Todavia, não estar na condição de analfabeto em torno do referido período bastava apenas saber assinar o nome. Entretanto, a partir do censo de 1950, o critério passou a se basear em uma definição mais ampliada de alfabetizado. A esse respeito, (Mortatti, 2004) faz saber que, no censo de 2000

Considerou-se como alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples, no idioma que conhecesse. Aquele que aprendeu a ler e escrever, mas esqueceu, e a que apenas assinava o próprio nome foram consideradas analfabetas. (MORTATTI, 2004, p. 19)      

Como uma possível reflexão sobre o assunto mencionado, Alceu Ferraro (2009) expõe que


Desde as últimas décadas do século XIX, quando o analfabetismo se transformou, quase que de repente, num problema nacional, sucederam-se inúmeros discursos, juras, projetos, campanhas e até declarações de guerra contra o analfabetismo, acompanhados de periódicas reformas de ensino. [...] No entanto, em que pesem tais esforços e conquistas, permanece de pé um fato inegável: o Brasil findou o século XX e adentrou o século XXI com um número verdadeiramente preocupante de pessoas ainda analfabetas. (ALCEU FERRARO, 2009, p. 25)

Cabe, então, a esta altura da discussão, trazer para o debate algumas idéias e expressões que nos permitem compreender como a população, de modo geral, define e vê o analfabeto na sociedade de hoje. Resumidamente, pode-se dizer que, em tempos atuais, ser analfabeto, na visão de muitos, é o mesmo que “não saber ler e escrever”, “não ter conhecimento”, “saber menos”, “não ser capaz”, “não estar preparado”, dentre outras expressões – expressões estas sempre ou quase sempre carregadas de sentido negativo. Se formos analisar com mais profundidade os significados que esses termos expressam, chegaremos a uma conclusão: a de que vincula-se em nossa sociedade um discurso que identifica o analfabeto, de modo geral, à pobreza, à dependência, à falta de capacidade, à burrice. Além disso, perceberemos que tais discursos e visões não surgiram “do nada”, mas foram (re) produzidos e disseminados social e historicamente, ou seja, são resultantes de um longo percurso histórico.
Como se pode vê, as expressões e idéias negativas que caracterizam o analfabeto se dão, na maioria dos casos, assim como faz a própria palavra “analfabeto”, ao distingui-lo dos demais sujeitos – os ditos escolarizados – pela falta de algo, ou seja, pela ausência daquilo que não possui. A esse respeito, Galvão e Di Pierro (2010) asseguram que, de forma preconceituosa, se define o analfabeto em nossa sociedade como “alguém que não sabe ler e escrever, é alguém que não é capaz, não é preparado, não é informado, não é humanizado, não tem conhecimento”. (GALVÃO E DI PIERRO, 2010, p. 10). Magda Soares (2006, p. 19) é outra que manifesta a respeito, afirmando que “o que surpreende é que o substantivo que nega – analfabetismo se forma com o prefixo grego a(n) -, que denota negação”.
Complementando essas afirmações, Alceu Ferraro (Apud Magda Soares, 1998) também elucida que analfabeto (a(n) + alfabeto)

É aquele que é privado do alfabeto, a quem falta o alfabeto, ou seja, aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e escrever e analfabetismo é um estado, uma condição, o modo de proceder daquele que é analfabeto. (ALCEU FERRARO Apud MAGDA SOARES, 1998, p. 47)

Percebe-se, assim, que tais expressões referem-se, sobretudo, ao que o sujeito não tem, dificilmente ao que ele tem. E o pior é que essas expressões utilizadas em nosso dia-a-dia são muitas vezes carregadas, como já dito, de sentidos “ruins”: são pessoas tidas, por exemplo, como coitadas, sofredoras, alienadas, pobres, incompletas, incapazes. E, como sabemos, esses mesmos tipos de discursos e representações são (re) produzidos e disseminados no dia-a-dia pelo próprio analfabeto que muitas vezes incorpora e legitima tais discursos e visões.
Magda Soares (2006) assinala que

Conhecemos bem, e há muito, o “estado ou condição de analfabeto”, que não é apenas o estado ou condição de quem não dispõe da “tecnologia” do ler e do escrever: o analfabeto é aquele que não pode exercer em toda a sua plenitude os seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza, é aquele que não tem acesso aos bens culturais de sociedades letradas e, mais que isso, grafocêntricas. (MAGDA SOARES, 2006, p. 20)

Diante do que foi exposto, poderíamos mais uma vez indagar: como essas pessoas que não sabem ler e escrever lidam com essas visões e discursos negativos produzidos social e historicamente sobre e em torno delas? Como elas próprias se vêem? Em que medida incorporam tais discursos e representações?
Sabemos que o pensamento social dominante na atualidade atribui à alfabetização grande importância para os indivíduos e coletividade. Assim, saber ler e escrever é, hoje, fundamentalmente necessário aos olhares da sociedade, pois, segundo Galvão e Di Pierro (2010)

A alfabetização é considerada um dos pilares da cultura contemporânea, pelo valor que a leitura e a escrita adquiriram no modo de vida das sociedades urbano-industriais permeadas pela ciência e tecnologia, e também por ser uma ferramenta que permite o desenvolvimento de outras habilidades igualmente valorizadas nesse âmbito. (GALVÃO e DI PIERRO, 2010, p.13)
                                                                                                            
Diante dessas considerações, mais uma vez podemos nos questionar: se saber ler e escrever é tão valorizado no mundo de hoje, em função da dita sociedade da informação e do conhecimento, o que dizer daqueles e daquelas que não dominam o código da escrita e, portanto, não sabem ler e escrever? Podemos ir além e indagar: por que essas pessoas estão, hoje, na condição de analfabetas, ou seja, por que não aprenderam “no tempo certo” a ler e escrever? O que as impediram de se escolarizarem?
            Antes de tudo, é importante destacar que essas questões são complexas e exigem, no mínimo, que atentemos para vários fatores. Uma coisa é certa: ninguém é analfabeto porque quer, porque gosta ou porque simplesmente escolheu ser analfabeto. Há outras razões por trás, é claro; razões estas relacionadas a diversos fatores, entre os quais estão os econômicos, sociais, políticos e culturais. Para começar, a difusão da alfabetização ao longo da história da humanidade e a sua distribuição desigual nas sociedades e regiões foram – e continuam sendo – resultantes de processos heterogêneos. No caso do Brasil, por exemplo, podemos encontrar ao longo de sua história e na contemporaneidade uma série de elementos que nos permitem entender como se deu esse processo de analfabetismo, bem como saber quem são e onde estão a maior parte desses sujeitos em nosso país.
            Quando sinalizo a necessidade de refletir sobre essas questões, apóio-me em Alceu Ferraro (2009) quando este assinala que

Não basta saber quantos são os analfabetos. É preciso saber também quem são eles. [...] Essa segunda pergunta suscita e leva a que se procure esclarecer questões mais específicas, como as da distribuição do analfabetismo por região, por situação de domicílio, por sexo, por cor/raça, por classe social etc. (ALCEU FERRARO, 2009, p. 28)

E o que fazer no sentido de reverter esse quadro? Não diria nem reverter, já que o termo dá a entender tratar-se de uma mudança radical, mas pelos menos olhar para a questão com um olhar mais sensível e menos pejorativo.
Não é que não devemos pensar em mudança num sentido amplo, radical. Muito pelo contrário: devemos, sim, pensar e lutar por essa mudança! E uma coisa é certa: estamos mudando e caminhando cada vez mais para a mudança, mesmo que a “passos de tartaruga[2]”. Basta olharmos o ontem e o hoje para compreendermos a questão: muito temos avançado.  O que quero dizer é que antes e depois de qualquer mudança há sempre a presença da reflexão, elemento essencial para a mudança. E a mudança começa em nós mesmos.
Assim sendo, questionamos: que idéias e/ou representações nós, os ditos escolarizados, temos em relação ao analfabeto?  Como as políticas públicas o aborda e o trata? E o que dizer da própria escola? Como esta o vê?
Sabemos que, ao longo de sua história, o Brasil tem enfrentado o problema da exclusão social que suscitou grande impacto nos sistemas educacionais. Assim, a alfabetização de adultos tornou-se temática preocupante e de real significado no atual contexto educacional brasileiro, em consonância com a Constituição Federal de 1988 e outras leis que anseiam por uma educação de qualidade que proporcione a concretização da cidadania, a garantia de direitos e o acesso è escola por todos os cidadãos e cidadãs. Convém salientar, entretanto, que o exercício desse direito, como sabemos, é um desafio que impõe decisões inovadoras.
 A educação é um direito civil básico tornado explícito na Constituição do Brasil[3]. Partindo desse princípio, vê-se a necessidade de se pensar em propostas que promovam a inclusão de todos – crianças, jovens, adultos e idosos, de ambos os sexos – no sistema educacional, visto que o que se verificou até aqui foi um modelo de educação marcado pela exclusão, injustiça e desigualdade social.
Dessa forma, no que tange à proposta de universalização, solidariedade democrática e justiça social para todos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), nos artigos que tratam da educação básica (artigos 37 e 38), determina que todo cidadão independente de cor, raça, credo, nível social, tem direito à gratuidade da educação básica, quando oferecida pelo poder público, e adequação às características dos alunos, seus interesses, condições de vida e trabalho. E aí, perguntamos: tais princípios estão realmente sendo postos em práticas ou simplesmente estão no papel?                                                   
Portanto, é preciso encarar a educação como uma concepção de direito voltado a todos. Entretanto, o sistema educacional brasileiro tem favorecido historicamente os grupos sociais detentores de poder, negligenciando a educação das camadas populares, ou seja, dos chamados oprimidos[4]. Assim, no que se refere à alfabetização, sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer. A prova disso é a existência de números ainda alarmantes de jovens, adultos e idosos vítimas de um sistema educacional, como já comentamos, excludente, seletivo, injusto e muito desigual. Isso reafirma que estamos, sim, caminhando para a mudança, porém, a “passos de tartaruga”.
Dentro desse contexto, podemos dizer que a educação de adultos, embora muito discutida nos últimos anos, sempre ocupou um espaço marginal em relação à escolarização formal. Os investimentos em várias campanhas, programas e projetos tanto federais quanto estaduais e municipais voltados para a alfabetização desses sujeitos apontaram poucos avanços, pois, entre outros fatores, se configuravam em processos descontextualizados da realidade dos seus participantes e constituíam-se apenas na possibilidade da leitura e da escrita, às vezes de caráter assistencialista, sem a preocupação da continuidade destes nos sistemas de ensino, não havendo inquietação com a causa da inclusão social, política, econômica e cultural.
Sobre essa questão, um novo questionamento se emerge: trata-se de violação dos direitos educativos? O que as ditas pessoas analfabetas e/ou pouco escolarizadas pensam sobre isso?
O fato é que, de modo geral, é incomum as pessoas analfabetas verem a questão do analfabetismo como violação de direitos coletivos ou como expressão de processos de exclusão social. Sobre essas questões, Galvão e Di Pierro (2010) assinalam que

Na maior parte das vezes em que conversamos com pessoas jovens e adultas que não sabem ler ou escrever, o analfabetismo não é percebido como expressão de processos de exclusão social ou como violação de direitos educativos, e sim como uma experiência individual de desvio ou fracasso, que provoca repetidas situações de discriminação e humilhação, vividas com grande sofrimento e, por vezes, acompanhadas por sentimentos de culpa e vergonha. (GALVÃO e DI PIERRO, 2010, p. 15) 

A essa altura da discussão, outro ponto faz-se necessário lembrar: o que se entende, afinal, por educação? Na intenção de atribuir à educação um sentido amplo, que suplante os muros das escolas, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996) abriu caminho institucional aos processos educativos que ocorrem em espaços não-formais ao definir educação como aquela que abrange “os processos educativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. (Art. 1° LDBEN, 1996).                                                                            Assim, pode-se dizer que a educação não acontece unicamente na instituição escolar e, como afirma Brandão (1991), talvez a escola nem seja o melhor lugar onde ela acontece. Isso se explica porque, ao longo da vida, nos envolvemos todos os dias com vários tipos de educação. Ou seja, no intervalo entre nascimento e morte adquirimos saberes múltiplos, em função dos variados espaços nos quais freqüentamos ou estamos inseridos. Em outras palavras, podemos assegurar que qualquer pessoa, independentemente de esta ter tido ou não vínculo com a escola, possui saberes/conhecimentos variados, em razão das experiências e histórias de vida que define cada sujeito.                                                                                         
Mas o que isso tem a ver com os processos de analfabetismo? Tem tudo a ver. Tais sujeitos, que construíram uma trajetória escolar fora dos padrões definidos pela escola regular, são jovens, adultos ou idosos de diferentes gerações, com gostos, crenças, valores e interesses diferentes, portanto, com experiências, conhecimentos e histórias de vida diferentes.                                     
Entendendo a educação numa perspectiva abrangente, que vá além da sala de aula, Paulo Freire (1989) defende que a educação para adultos deve ir além do “simples ensinar a ler, escrever e contar”, pois muito além das exigências do domínio de habilidades da leitura e da escrita vão as novas demandas do mundo contemporâneo para o exercício pleno da cidadania. Neste contexto, a alfabetização não pode ser reduzida ao aspecto da aquisição pura e simples do código alfabético e numérico, em detrimento da categoria de cidadania e da perspectiva do estabelecimento de bases para uma educação continuada.                             
Desse modo, compreender as especificidades dos educandos jovens, adultos e idosos requer o despertar de um olhar sensível sobre a questão, de modo que o respeito e a valorização das diferenças sejam legitimados. Em suma, podemos assegurar que a especificidade desses sujeitos decorre do fato de serem sujeitos jovens/adultos/idosos, maduros, experientes, trabalhadores ou pretendentes à (re) inserção no mercado de trabalho, com uma história de vida definida e com experiências concretas.           
Em se tratando da alfabetização de adultos, é preciso termos em mente uma coisa: não basta apenas abrir as portas das instituições escolares e permitir que esses sujeitos simplesmente adentrem as salas. Como diz Roberto Lopes (2007),

Muito há para se fazer. Temos em pleno século XXI mais de 15 milhões de analfabetos. Não basta a quantidade – há que se dirigir o olhar para a qualidade. (ROBERTO LOPES, 2007, p. 5)

É preciso, portanto, garantir a inclusão efetiva desses sujeitos na escola, oferecendo-lhes uma educação integral, não utilitarista ou compensatória, mas uma formação crítica, reflexiva, conscientizadora, emancipadora, que lhes oportunize a abertura de caminhos no sentido de fazê-los entender e dominar as novas técnicas da sociedade da informação e do conhecimento para poder participar da transformação da mesma, tornando-a mais democrática. Ou seja: não basta apenas alfabetizar o sujeito mecânica e superficialmente; é preciso oferecer-lhe uma formação mais ampla, que o capacite para a vida.
                                                        
3. A construção da identidade em relatos de adultos analfabetos da comunidade rural de Chapada Grande: “Vixe, quem é a gente sem leitura”?

Quase todo mundo fala agora sobre “identidade”. A identidade só se torna um problema quando está em crise, quando algo que se supõe ser fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza. (Mercer, 1990, p. 4)
                        
Referendando-se em autores contemporâneos como Bauman (2005) e Hall (2001), por exemplo, podemos dizer que se até há algumas décadas o termo “identidade” não estava nem perto do centro do nosso debate,  atualmente é um conceito que tem sido extensamente discutido e utilizado em diversas áreas do conhecimento por diferentes sociólogos, antropólogos e teóricos, configurando, assim, o “papo do momento”.
Assim como os termos “analfabetismo”, “analfabeto” e “alfabetização” sofreram mudanças em seus significados ao longo dos tempos, como já mencionamos, a palavra “identidade”, por também não ser algo constante/fixo/invariável, está sujeita a alterações. Mas por que isso acontece? Segundo Magda Soares (2006),

Novas palavras são criadas (ou a velhas palavras dá-se um novo sentido) quando emergem novos fatos, novas idéias, novas maneiras de compreender os fenômenos. (MAGDA SOARES, 2006, p. 16)

Então, de que forma uma nova idéia, ou um novo fato, ou uma nova maneira de compreender a leitura e a escrita pode interferir no processo de construção da identidade de uma pessoa? O fato é: em se tratando da leitura e da escrita, podemos dizer que a época, a cultura, o contexto (social, econômico, político, etc.) transmite valores e molda o sujeito, ou seja, “desenha-o”. Desse modo, cada pessoa constrói – no intervalo entre nascimento e morte – sua identidade, expressa na forma de o sujeito andar, vestir, falar, agir, ver o mundo. E, como sabemos, esses valores – é claro – estão passíveis a mudanças, podendo levar o indivíduo a sofrer “crises de identidade”, como se pode verificar na citação que abre esta seção.
Em se tratando do “ser analfabeto”, o que significaria entrar em “crises de identidade”? Seria não se aceitar do jeito que é? Envergonhar-se? Perder a auto-estima? Enfim, o que leva uma pessoa a não aceitar-se, ou seja, a não se identificar com a sua imagem refletida no espelho? Teria o contexto social, econômico, político e cultural alguma coisa a ver com isso? É claro que sim. Em se tratando do alfabetismo/analfabetismo, sabe-se que, em virtude desses fatores, novas, intensas e variadas práticas de leitura e escrita fazem emergir ao longo dos tempos novas necessidades e visões de mundo, delineando, assim, a forma de as pessoas se olharem – o que constitui traços de sua identidade.
E como as ditas pessoas analfabetas da atualidade se olham? “Ser analfabeto hoje,” é o mesmo que “ser analfabeto ontem”?  
Partindo do princípio de identidade como metamorfose, faz-se conveniente trazer para o debate a proposta de Kolyniak & Ciampa (1993), os quais entendem identidade como construção/reconstrução/desconstrução constantes que acontecem no convívio social, no dia-a-dia das pessoas, na multiplicidade das experiências vividas, na teia das relações estabelecidas ao longo da vida.
Assim sendo, poderíamos afirmar que a identidade se forma num processo contínuo de estruturação e reestruturação que vai acontecendo ao longo da vida, impulsionado pelas relações sociais estabelecidas, as quais se tornam “modelos/padrões” que favorecem, às pessoas, a produção de uma imagem de si mesmas, ou seja, a sua identidade. Isso permite-nos entender que a construção da identidade acontece nas trocas afetivas estabelecidas na vida social em estruturas sociais – como, por exemplo, a família, a escola, a igreja – e nos mecanismos criados pela sociedade – como é o caso da linguagem, por exemplo.
E o que dizer do processo de construção da identidade em relação ao analfabeto? Como elucidado na seção anterior deste trabalho, ninguém é analfabeto porque quer, porque gosta ou simplesmente porque optou estar nesta condição. O fato é: compreender as razões que movem uma pessoa na direção de alfabetizar-se envolve conhecer o que representa “saber” e “não saber ler e escrever” numa sociedade letrada, como esta pessoa se considera, como se constitui a identidade de quem se propõe a ler e a escrever, sua auto-imagem, sua imagem social, como concebe a conquista da cidadania e o resgate da dignidade subtraída[5].
No âmbito dessa discussão, podemos definir identidade pessoal como sendo a maneira pela qual a pessoa se vê, enxerga a si mesma, ou seja, está relacionada à sua própria imagem (o modo como o sujeito se sente, se comporta etc.). Para Ciampa (1987),

Cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um projeto de vida, uma vida que nem sempre é vivida, no emaranhado das relações sociais. (CIAMPA, 1987, p. 127)

 Segundo esse autor, cada pessoa personifica as relações sociais vividas, configurando uma identidade individual. Desse modo, a identidade, para qualquer pessoa, se constitui dos diversos grupos dos quais participa. A sociedade, por sua vez, se constitui do conjunto das identidades pessoais, configurando, assim, a identidade um fenômeno social.
Como já discutido, o termo “analfabeto” é normalmente entendido como a “falta” de algo, a ausência daquilo que o indivíduo não possui. Neste caso, podemos dizer que essa falta se refere à “falta” da leitura/escrita. E neste contexto, podemos perceber uma outra visão sobre identidade, visão esta relacionada à percepção sobre a “falta” (MELUCCI, 2004). Como sabemos, a experiência da falta, bem como as necessidades humanas (incluindo, inclusive, a da leitura e da escrita), são definidas e construídas culturalmente. Ou seja: as pessoas reconhecem suas necessidades – nascidas do pertencimento aos variados grupos – e “sabem quem são”. A experiência da “falta” leva as pessoas, inevitavelmente, ao questionamento sobre si mesmas, ou melhor, sobre a sua identidade. Isso porque o ser humano – como ser social que é – compara, avalia e percebe-se semelhante – ou diferente – em relação às outras pessoas com as quais convive, o que torna possível constituir, positiva ou negativamente, traços identitários sobre si.
Como já dito, a difusão da alfabetização e a sua distribuição ao longo da história resultam-se de processos heterogêneos. E o que dizer das pessoas que não sabem ler e escrever? Suas histórias de vida também são heterogêneas, ou apresentam características similares e, portanto, ‘não-heterogêneas’? Que relação poderíamos estabelecer desse entendimento com o conceito de identidade?
Dentro dessa abordagem, é importante lembrar que, geralmente, quando falamos ou ouvimos os termos analfabetismo ou analfabeto logo os associamos a um público específico: o adulto.  Dificilmente associamos a imagem do analfabeto à criança. Como assegura Vera Masagão (2001), essa questão nos remete tanto à especificidade etária como à especificidade cultural, ou seja, tanto à concepção de corte por idade (jovens e adultos são, basicamente, “não-crianças”) quanto ao fato de a maior parte das pessoas analfabetas pertencerem a um determinado grupo de pessoas relativamente homogêneas.
Quanto à identidade, podemos dizer que a especificidade etária e, de forma mais ampla, cultural, constitui traços identitários das pessoas consideradas analfabetas. Por este ângulo, a constituição do estado de analfabetismo, como se sabe, começou na infância, com a situação socioeconômica da família, o que contribuiu para que a freqüência na escola fosse nunca iniciada ou interrompida. Desse modo, como afirma Oliveira (1999), o adulto analfabeto têm sua imagem formada a partir da identidade construída nesta situação socioeconômica: uma vida de pobreza, trabalho intenso, e não necessidade de ler e escrever, tomando como base os valores e princípios das práticas sociais exercidas nos contextos de sua infância e dos grupos dos quais um dia fez parte.
Sobre os jovens e adultos que não sabem ler e escrever, faz-se oportuno lembrar que os estudos já realizados nessa esfera apontam resultados em duas vertentes: de um lado, está a rica diversidade cultural da sociedade brasileira; de outro, encontra-se trajetórias de vida relativamente homogêneas. Neste sentido, faz-se mais uma vez cabível as palavras de Galvão e Di Pierro (2010) ao afirmarem que:

A ampla maioria dos analfabetos é constituída por pessoas oriundas do campo, de municípios de pequeno porte, nascidas em famílias numerosas e muito pobres, cuja subsistência necessitou da mão-de-obra de todos os membros desde cedo. O trabalho precoce na lavoura, as dificuldades de acesso ou a ausência de escolas na zona rural impediram ou limitaram os estudos dessas pessoas na infância e adolescência. (GALVÃO e DI PIERRO, 2010, p. 16) 

Oliveira (1992) concorda:


Esses grupos tendem a ser extremamente homogêneos do ponto de vista social: seus membros são migrantes de zonas rurais empobrecidas, trabalhadores em ocupações urbanas pouco qualificadas, com uma história descontínua e malsucedida de passagem pela escola e filhos de trabalhadores rurais analfabetos ou semi-analfabetos. (OLIVEIRA, 1992, p. 57)

Nesse sentido, figuram algumas falas de pessoas analfabetas e outras pouco escolarizadas[6], as quais relatam sobre suas histórias de vida e experiências relacionadas à dificuldade de acesso ao processo de escolarização que tiveram:

Eu sempre morava na roça, longe da escola. A escolinha que tinha, ói, ficava bem longe de casa e aí como eu ía estudar? Não dava; por isso, meus pais mim tirou da escola – eu e meus irmão. A vida era difici. Nem se a escola fosse perto não sei se dava pra eu estudar: tinha que ajudar minha mãe na roça. Sinto muita falta do estudo. O estudo é importante. Mas fazer o que, né? Se Deus quis assim... (Helena, agricultora)

Eu não pude estudar. Tinha que trabaiar na roça com meu finado pai. Não tive a educação da escola, mas tive a educação de meu pai, que mim ensinou a ser gente. Fui na escola só uns pocadinho de dia, mas num aprendi nada não.Tive que desisti pra trabaiar. (Sebastião, carvoeiro)

Onde eu morava não tinha escola. Depois me mudei pra cidade, mas aí fiquei com vergonha de estudar com as criancinhas pequenas. Hoje sei ler e escrever depois que apareceu essa coisa aí de escola para os idosos. É muito bom estudar. (Maria Aparecida, dona de casa)

Só aprendi assinar o meu nome. Mau pai me botou na escola e eu fiquei lá mais ou menos uns 15dia. Depois meu pais me tirou da escola pra ajudar ele na roça. Aí eu nunca mais tive a oportunidade de estudar. Me casei, tive meus filhos e aí não deu mais pra voltar pra escola estudar. Só sei bastante matemática. Sei medi terra, fazer cálculos de cabeça. Não conheço o ‘o’, mas sei fazer outras coisa. (João, pecuarista)

Ao analisar tais depoimentos, podemos chegar à conclusão de que o adulto analfabeto tem parte de sua imagem formada a partir da identidade construída em sua própria situação socioeconômica: uma vida de pobreza, trabalho intenso, dentre outros.     
Fica evidente nas falas acima expostas que, quando nos referimos ao analfabeto na sociedade letrada, ou seja, ao sujeito que vive no mundo escolarizado e que não domina a tecnologia escrita, estamos, na verdade, nos referindo a um grupo social caracterizado pela homogeneidade. Como se vê, trata-se de um grupo composto, em sua maioria, por pessoas da zona rural ou migrantes desta, trabalhadoras em ocupações pouco qualificadas (geralmente braçais) e com uma história descontínua e mal-sucedida de passagem pela escola. Podemos perceber, ainda, nas falas à cima expostas que, pelo contexto ao qual pertencem, os sujeitos depoentes são filhos de pais também trabalhadores de ocupações braçais não-qualificadas (principalmente a lavoura) e igualmente analfabetos, ou seja, são pessoas que, como diz Isabel Magalhães (in Ângela B. Kleiman, 1995), “apenas falam a língua das que a falam e também a escrevem”.
Em outras palavras, pode-se dizer que foram raras na vida cotidiana dessas pessoas as situações envolvendo a leitura e a escrita, como diz uma das entrevistadas

Na minha época não tinha escola perto de casa e por isso meu pai não me botou na escola porque era longe e ele tinha medo de me deixar sozinha pelas estrada. E a gente quase não usava a escrita. Só quando ía escrever carta. Aí meu pai chamava uma vizinha que escrevia pra ele. (Zefa, agricultora)

Como se pode vê, os saberes adquiridos no trabalho muitas vezes costumavam ser mais valorizados do que os conhecimentos veiculados pela escola. Isso porque o trabalho doméstico e a lavoura exigiam apenas instrução verbal, dificilmente escrita. Como se sabe, os contatos sociais limitavam-se à famílias e vizinhos, e as situações cotidianas envolvendo a escrita e a leitura giravam restritamente em torno de eventuais cartas, cerimônias religiosas ou simples anotações.
Hoje, porém, uma outra visão de leitura e escrita se faz presente em nossa sociedade (chamada por muitos de “sociedade da informação”, “sociedade tecnológica”, “sociedade do conhecimento”, “sociedade grafocêntrica”). Uma coisa é certa: a todo o momento estamos, quer seja escolarizados ou não, envolvidos em situações cujas práticas de escrita e leitura estejam a elas de alguma forma vinculadas. Essas circunstâncias ficam evidentes nos depoimentos a seguir:

A gente precisa da escrita na vida da gente pra tudo, né? E quem não tem sofre. (João, pecuarista)

Acho que para aprender não tem idade. Qualquer hora é hora. Voltei a estudar e tô gostano. A escola ensina as pessoa, educa elas, faz a gente se sentir cidadão. Estudar é muito bom. (Maria Aparecida, dona de casa)

A gente encontra a escrita em tudo na vida da gente. Se vai no Banco, tem que assinar os documento; se vai no mercado, tem que ver as lista e os preço das coisas; então a gente precisa da leitura. (Gertrudes, comerciante)

Galvão e Di Pierro (2010) acrescentam

No contexto urbano letrado, as habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo passam a ser adquiridas com maior freqüência para a resolução de questões financeiras e burocráticas, para a obtenção de emprego e desempenho profissional, para a orientação e deslocamento nos espaços em domínio dessas habilidades, os analfabetos não se ressentem somente das limitações objetivas com que se defrontam, mas se sentem especialmente constrangidos com rótulos pejorativos e a desqualificação simbólica que a sociedade lhes impõe. (GALVÃO e DI PIERRO, 2010, p. 20) 

E como essas pessoas definem o “ser analfabeto”, ou seja, para elas, o que significa estar na condição de analfabetas? Ou seja: como elas próprias se definem, se enxergam, se vêem? Nos depoimentos, percebe-se a consciência dos entrevistados de serem estigmatizados. Eles próprios se atribuem muitas características negativas, dentre elas a de serem “ignorantes” e “cegos”. Chegam a se considerar como sendo um “nada”:

Quem não sabe ler é um “zé ninguém”. Não serve pra nada, né? Ninguém valoriza. (Helena, agricultora)

É como se fosse cego, sem conhecimento... (Quinca, agropecuário) 

Resumidamente, dá-se para perceber que o conceito de analfabeto, segundo os participantes da pesquisa, é bastante diverso: “analfabeto é quem não sabe escrever seu próprio nome”, “é aquele que não tem leitura”. Verifica-se, porém, que a essas simples conceituações costuma associar-se outras acepções como um perverso condicionante da auto-imagem: a ignorância, a pobreza e a indignidade. Na declaração que se segue, percebe-se, por um lado, o valor do depoente em relação à escrita, e por outro, uma resistência para se garantir uma identidade que, na visão do mesmo, não se garante na sociedade letrada. Assim, na resposta à pergunta “Como você se sente sem saber ler e escrever”?, esse sujeito se mostra na sua contradição e no seu conflito de identidade:

Eu penso assim: Vixe, quem é a gente sem leitura? É claro que não somos nada, né? Eu sou um cidadão, tenho uma família, um trabalho... Então somos alguma coisa, sim, só não somos como as pessoas que sabe ler e escrever bastante, que pode arrumar um serviço melhor e ser mais respeitada. As pessoas sem leitura não são respeitadas. As pessoas discrimina mesmo. A gente vê nos olhar. Às vezes a pessoa não fala, mas a gente percebe o desprezo pela gente: no banco, na rua, no hospital, nas viagem, na hora de buscar um serviço. Então é por isso que eu quero que meus filhos estude pra ter outra vida, um emprego que preste e não passe pelos mesmo apuros que o pai deles passou. Essa vida de roça é muito pesada e eu quero que eles se esforce bastante pra ter um amanhã melhor. Já eu tô velho, não vou aprender mais não. Foi minha sina, né? Mas fazer o quê? E a mesma coisa aconteceu com meus irmãos. Eles também não sabem ler. Só se aprendeu depois de velhos. Mas nosso pai sempre deu bom exemplo pra nós e ensinou a gente a ser honesto e trabalhador. Acho que isso é ainda mais importante que a escrita. Não adianta nada ter diploma e não ter honestidade, né? Então é isso que eu acho. (João, pecuarista)

Em síntese, pode-se dizer que, por se sentirem constrangidas com os rótulos pejorativos e desqualificadas simbolicamente pela sociedade, muitas dessas pessoas com pouca familiaridade com a leitura/escrita se assumem inferiores em relação às escolarizadas, o que as fazem muitas vezes recorrer a estratégias para ocultar a condição de analfabetas, negando, assim, sua própria identidade. Ou seja,

Os sucessivos constrangimentos e experiências de discriminação levam à corrosão da auto-estima dos indivíduos, que acabam assumindo a identidade deteriorada e assimilando ao próprio discurso as metáforas depreciativas formuladas pelas elites letradas e difundidas pelos meios de comunicação social. (GALVÃO e DI PIERRO, 2010, p. 24)

Em outras palavras, conclui-se que esse sentimento de vergonha e inferioridade, que muitas vezes leva pessoas a esconderem sua condição de analfabeta, é fruto da imagem social em relação ao analfabeto. Ou seja: ser analfabeto aos olhos do outro gera no indivíduo sentimento de vergonha, como pode ser evidenciado nos depoimentos seguintes, nos quais traços relacionados ao que chamamos no início dessa seção de “crises de identidade” podem ser identificados:

Eu já tentei muitas vezes tentar esconder o meu lado de não ter leitura, sabe? Mas nem sempre a gente consegue. Um dia, mesmo, eu passei uma vergonha danada. Eu entrei num banheiro público e, como eu não sei ler, entrei no banheiro errado. Uma mulher mi viu lá dentro e ficou espantada. Quando saí pra fora, vi um home entrar noutro banheiro do lado e só então fui vê que tinha entrado no banheiro das mulher. Agora presto mais cuidado: olho nas figura que tem na porta. Se tiver um ‘bunequim’ com saia, sei que ali é banheiro das mulher; se o desenho for um home, sei que o banheiro é dos home... esses ‘desein’ ajuda a gente que não sabe ler. Todo banheiro devia ter um. (Sebastião, carvoeiro)

(...) a gente sofre muito, é muito difícil, né? A gente passa vergonha quando vai assinar um documento e a gente tem que botar o dedão na tinta. Aquilo é humilhante. (...) E quando a gente vai pra cidade a gente percebe que todo mundo repara na gente. Sei lá... a forma da gente falar, de se vestir. O povo repara e discrinima muito. Daí a gente fica sem jeito, né? É por isso que tem gente que esconde que é analfabeto. Hoje eu não escondo mais não, mas quando eu era mais novo eu já escondi, principalmente das minhas namorada. Eu mandava meus colega escrever bilhetes de amor pra elas e elas dizia que eu escrevia bonito e então eu fingia que tinha sido eu mesmo que tinha escrivido aquilo ali. (Jesuíno, carvoeiro)

No que se refere à identidade, Ciampa (1994) assinala que uma pessoa em cada momento se apresenta como parte de si mesma, não como uma totalidade. Assim, cada indivíduo, diante de outras pessoas, se apresenta como uma parte de si mesmo, através de um de seus aspectos; porém, se encarna como totalidade o que aparece para o outro: o exterior determina a identidade da pessoa. É por isso que certas pessoas, como as citadas acima, sentem-se envergonhadas de serem identificadas como analfabetas e, por isso, tentam de alguma forma ocultar esse traço de sua identidade.
É importante destacar, porém, que nem todas as pessoas analfabetas sentem-se diminuídas ou internalizam os preconceitos, estigmas e pré-julgamentos. Muito pelo contrário. Muitas delas reafirmam serem capazes e inteligentes, preservam a auto-estima, não se sentem “menores”, bem como se reconhecem dotadas de saberes e produtoras de cultura.

Eu não tenho leitura, mas sou cidadão como qualquer um. Falo com qualquer político, prefeito, vereador, homem de lei. Só não sei ler e escrever, mas isso não me deixa com vergonha. Consegui criar minha família e tenho muito orgulho disso. Acho que a gente precisa valorizar o que a gente é, não acha?  (Gilberto, comerciante)

Quando perguntado por que não voltam a estudar, percebe-se, em alguns testemunhos, a internalização da idéia de que estudar “é coisa de novo”, outro traço de identidade. Assim, declaram:

Eu queria estudar quando eu era nova. Agora não. Já criei meus ‘fi’ mesmo, agora vou me apusentar e me inquietar no meu canto. Meus ‘fi’, sim, eles eu quero que estuda pra que no amanhã eles possa ter um futuro mió... (Dona Filomena, aposentada)

Eu aprendi só o meu nome mesmo. Mas acabei esquecendo depois. Eu pedi pra minha filha me ensinar o ABC mais desistir. É muito difícil decorar aquelas coisa. Não tenho cabeça ‘praquilo’ não. To velho, não aprendo mais não. E estudar pra que, né? Vou morrer logo mesmo, né? [risos] Levar estudo pro buraco eu não vou. Se vivi até aqui assim, vou precisar de estudo mais pra quê? (Bartolomeu, agricultor) 

Para outros, aprender a assinar apenas o nome “já tá bom”, uma vez que escrever o próprio nome eleva a auto-estima: além do significado que o gesto representa, o sujeito se percebe aceito socialmente, ou seja, sua imagem social se altera, torna-se mais valorizada, dando à pessoa a possibilidade de superar o estigma do analfabetismo. Ou seja: trata-se de um processo de transformação da identidade.

Eu aprendi a ler depois de véio. Minha fia me ensinou. Depois fui pra escola estudar junto com os véi. Agora leio bula de remédio, leio a Bíbria... De vagar mais leio! Só tô com a vista curta, um poço fraca, mais dá pra quebrar o galho. (Seu Quintino, agricultor) 

Para concluir, achei oportuno trazer para o trabalho o relato[7] que se segue, no qual Manuel, um dos entrevistados, fala de si e de sua relação com o mundo da escrita de acordo com determinados valores, mostrando-nos, com riqueza de detalhe, elementos associados à construção de sua identidade e que estão intrinsecamente relacionados às discussões travadas neste trabalho.
                       
Meu nome é Manuel Pereira da Silva, tenho 55 anos de idade. Nasci no município de Bom Jesus da Lapa, na comunidade de Capoeiras, e fui embora daqui pro Paraná novo, quando tinha a idade de 16 anos. Sempre trabalhei na roça, labutando com gado e mexendo com lavoura. Já fiz de tudo nesta vida. Aí, depois de casado, voltei pra Bahia, pra perto da minha família. Hoje moro aqui em Chapada Grande. Não tenho leitura, “malemá” assino o nome mesmo.                                                                      
Quando saí da Bahia da casa de meus pai , naquele tempo não tinha escola perto. Saí rapaz novo com 16 anos de idade e não tive oportunidade de estudar. Eu fui na escola não chegou um mês e aí meu pai me tirou porque era longe e tinha que ajudar na roça. E eu sempre morei em fazendas e nunca morei, assim, em lugar adequado no tempo que era novo.  
Muitas vez a gente acha que se tivesse um conhecimento melhor de letra a vida era mais fácil de sobreviver. Porque a gente fica sem conhecimento, muitas vezes sem poder tirar habilitação, sem poder ter uma vida melhor.
Já deixei de ter empregos bom por não ter leitura. E isso aí é uma coisa que sempre acontece na vida da pessoa que não tem leitura. Muitas vezes deixei de conseguir emprego por causa disso. Isso já aconteceu comigo várias vezes.
[...] Já sofri preconceito por não saber ler e escrever. Muitas vezes em viage. Em viagem a gente passa muita aflição. Porque não conhecer e esperar o carro mais ou menos quando vem e ter que ver pela marca da passagem. E ao pedir informação também. Tem que pegar muita informação porque muitas vezes a pessoa pode pegar uma coisa errada por não saber ler e escrever. Outra coisa também que eu acho difícil: é que a pessoa que não tem leitura é porque não tem o conhecimento e tem que andar meio baseado pelas coisas.
[...] É... Já senti, sim, vergonha por não saber ler e escrever... Muitas vezes a pessoa esconde [que é analfabeta]. Porque eu já escondi muitas vezes pra ninguém perceber. Eu conversando muitas pessoas pensam que tenho uma boa leitura e não tenho. Pessoas pensam, até já me perguntaram se eu já fiz algum curso, mas eu “malemá” garrancho o meu nome aprendido pelos outro. Tipo de um desenho. Eu... Minha assinatura é como um desenho.
[...] Eu não me sinto menor do que os outro que é formado. É que tem muitas coisa que a gente entende, né, assim, sabe, a gente aprende no mundo viajando. E muitas dessas experiência muitas vezes talvez o estudado não têm. Tem que sofrer muito, bater muito com a cabeça. A pessoa muitas vez tem que arriscar, muitas vez pra...é... em conversa aprendendo com os outro. Porque eu pra chegar a esse conhecimento eu conversava muito com as pessoas que tinha o conhecimento de letra, pessoas de alto nível, pessoas da lei. Conversei muito pra chegar a esse conhecimento.
Mas a leitura é importante, né?Aliás, muito importante. Hoje em dia se você vai arrumar um emprego e é analfabeto, vai arrumar que emprego? Se não sabe ler é logo descartado. É por isso que a maioria das pessoas que trabalha na roça ou em qualquer serviço pesado não sabe ler. Se essas pessoas sabisse ler e escrever, né, elas com certeza não tava trabalhando nesses serviço, mas em serviços mais leve e mais melhor.
A vida sem leitura é difícil.  Ela é importante na vida da gente pra tudo. Por isso que eu aconselho meus filhos a estudar, pois hoje as coisa tá mais fácil, só não estuda quem não quer. Já na minha época a coisa era mais difícil. (Manuel, morador de Chapada Grande, entrevistado em 22/04/2011) 

Se formos analisar atenciosamente o relato de Manuel, encontraremos em vários momentos aspectos ligados à construção da identidade desse sujeito. Manuel inicia a narrativa com informações sobre o nome e o lugar onde nasceu, bem como relata sua trajetória de vida, caracterizada por migrações e circunstâncias relacionadas à “falta da leitura e escrita”. Como se pode vê, as avaliações de Manuel sobre a leitura e a escrita são carregadas de sentido ideológico e seus posicionamentos representam traços característicos de sua identidade. Durante todo o relato, uma coisa é certa: Manuel o tempo todo avalia positivamente a escrita e a leitura: “[...] a leitura é importante, né? Aliás, muito importante. Hoje em dia se você vai arrumar um emprego e é analfabeto, vai arrumar que emprego?” (linhas 33-34).
Ainda sobre essa importância, faz nas linhas 10 e 11 uma relação com a ascensão social: “Muitas vez a gente acha que se tivesse um conhecimento melhor de letra a vida era mais fácil de sobreviver”. E acrescenta: “Já deixei de ter empregos bom por não ter leitura. E isso aí é uma coisa que sempre acontece na vida da pessoa que não tem leitura” (Parágrafo 4   ; linhas 13-14).
 E o que é “ser analfabeto” na visão de Manuel? No quinto parágrafo, nas linhas 20 e 21, Manuel caracteriza o analfabeto como uma pessoa que “não tem o conhecimento” e que, por isso, precisa “andar meio baseado pelas coisas”, evidenciando, assim, traços de sua identidade. Tal depoimento dá a entender tratar-se de uma relação entre o analfabeto (visto por ele como uma pessoa sem conhecimento) e o escolarizado (em quem precisa basear-se), pois este, por dominar a ‘tecnologia’ da escrita, é, segundo ele, um ser confiável, dono do saber. Assim, percebe-se através das falas de Manuel a imagem que ele, enquanto adulto não escolarizado, tem de si em relação ao grupo de alfabetizados; imagem esta marcada pela falta de auto-estima e pela insegurança.
Logo no primeiro parágrafo, linha 3, Manuel justifica que não teve acesso à leitura e à escrita quando era criança porque “sempre trabalhei na roça, labutando com gado e mexendo com lavoura; por isso, hoje “malemá” assina o nome”. Como dito anteriormente, as razões que impediram Manuel de aprender ler e escrever estão ligados a alguns fatores, os quais foram elencados pelo próprio: “naquele tempo não tinha escola perto” (linha 6); “não tive oportunidade de estudar [...] porque [a escola] era longe” (linhas 7-8); “tinha que ajudar na roça” (linha 8);  “na minha época a coisa era mais difícil” (linhas 39-40) . E argumenta que não pode continuar os estudos porque sempre “morei em fazendas e nunca morei, assim, em lugar adequado no tempo que era novo” (linhas 8-9).
Por outro lado, fica evidente no testemunho de Manuel seu conflito de identidade: ao mesmo tempo em que não se sente “menor” em relação ao escolarizado, sente vergonha por não dominar o código da “tecnologia” escrita. Na vigésima sexta linha, referente ao sétimo parágrafo, ele diz: “Eu não me sinto menor do que os outro que é formado”. Porém, nas linhas 22-23, se contradiz ao afirmar que “já senti, sim, vergonha por não saber ler e escrever... Muitas vezes a pessoa esconde [que é analfabeta]. [...] eu já escondi muitas vezes pra ninguém perceber”. Por outro lado, no entanto, se reconhece dotado de saberes, experiências e produtor de cultura, ao afirmar, nas linhas 26-27, que “tem muitas coisa que a gente entende, né, assim, sabe, a gente aprende no mundo viajando”.  E no que diz respeito à forma como adquiriu esses saberes, Manuel acredita que é fruto da relação estabelecida com “o outro”, sendo este outro “as pessoas que tinha o conhecimento de letra, pessoas de alto nível, pessoas da lei” (linhas 30-31), com as quais dialoga e interage.  
E o que dizer dos estigmas, preconceitos e pré-julgamentos sofridos por essas pessoas na sociedade marcada pela presença da escrita? A esse respeito, Manuel assinala, na 16ª linha, o seguinte: “Já sofri preconceito por não saber ler e escrever”.  E conclui (linha 38) dizendo que “a vida sem leitura é difícil”, pois “ela é importante na vida da gente pra tudo”, razão que o faz incentivar os filhos a estudar.
Enfim... Saber ler e escrever é, hoje, uma das necessidades básicas impostas por uma sociedade cada vez mais marcada pela presença da escrita. E a escola, como sabemos, vista como parte importante desse mundo e principal agência alfabetizadora, não pode ignorar esse processo, visto que é o espaço onde os sujeitos que não tiveram a oportunidade de “aprender a ler e escrever no tempo certo” podem ter a chance de adquirir os códigos e símbolos culturais para a sua inserção na sociedade grafocêntrica, tão importantes na cultura globalizada em que vivemos. Daí a necessidade de encarar a educação como uma concepção de direito voltado a todos.

4. Finalizando sem finalizar...

Neste trabalho, buscou-se mostrar, a partir de relatos de adultos analfabetos, a construção da identidade desses sujeitos e sua relação com o mundo da cultura escrita. Assim, este estudo tentou refletir sobre como se configura a construção da identidade dessas pessoas no universo da chamada sociedade grafocêntrica e analisar o processo de exclusão/inclusão vividos pelos mesmos em situações muitas vezes marcadas por pré-julgamentos, estigmas e preconceitos.
Portanto, consideramos que este trabalho não se dá por encerrado: trata-se de uma temática ainda muito carente de novas discussões e olhares, outros estudos e análises. Em suma, espera-se que as discussões aqui apresentadas tenham suscitado algumas reflexões:
·         O que significa “analfabetismo”? E “analfabeto”? Que idéias e/ou expressões vem à nossa mente quando escutamos ou lemos a palavra “analfabeto”?
·         Há preconceito contra o analfabeto na sociedade em que vivemos? Por que ele existe? Como surgiu?
·         Como as pessoas que não sabem ler e escrever lidam com as visões e discursos negativos produzidos social e historicamente sobre e em torno delas? Como elas próprias se vêem? Em que medida incorporam tais discursos e representações? Por que incorporam tais discursos e representações?
·         De que forma as políticas públicas abordam a questão do analfabetismo no Brasil? E o que dizer da escola? Como esta trata a questão?
·         Se a educação é direito de todos, por que muitos não têm acesso a essa educação? O que fazer para garantir a todos esse direito?
Prefiro, assim, “terminar” este trabalho com perguntas, ao invés de respostas. E aí estão algumas perguntas; vamos buscar as respostas?

 Referências:

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[1] Graduado do Curso de Pedagogia com Habilitação em Docência e Gestão de Processos Educativos pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XVII – Bom Jesus da Lapa – BA. E-mail: silvano_uneb2009@yahoo.com.br
[2] Essa expressão é de minha autoria e já foi por mim utilizada em outras produções textuais.
[3] Constituição: República Federativa do Brasil, 1988, Título II, Capítulo II, Artigo 6.
[4] Sobre essa questão, ver Paulo Freire (2002).
[5] VALINO, Maria de Lurdes. Identidade e alfabetização. Disponível em: http://alb.tempsite.ws/anais16/ sem01pdf/sm01ss04_04.pdf. Acessado em 17 de maio de 2011.
[6] Faz-se importante ressaltar que, na intenção de preservar a identidade dos entrevistados, optei em utilizar neste trabalho nomes ficcionais.
[7] O texto apresentado é transcrição de gravação realizada em entrevista. Foram feitas algumas adaptações necessárias para transformar o texto oral em um texto escrito, porém, conservando a informalidade do discurso e sendo fiel à linguagem usada pelo interlocutor.